Constituição Federal

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em 2013

            No Brasil, nós já tivemos 07 Constituições, desde a primeira Constituição Imperial outorgada em 1824, até a Constituição promulgada de 1988, também conhecida como "Constituição Cidadã" por ter sido criada com participação da sociedade e por ter criado uma série de mecanismos constitucionais que garantem uma maior participação da sociedade. A área de estudo destas diferentes constituições se chama Direito Constitucional: é a parte do direito que analisa, estuda, sistematiza, interpreta as normas fundamentais e constitucionais de um Estado e que se dedica ao direito fundamental de uma sociedade.

Apesar de divergentes, as diferentes constituições podem apontar algumas características comuns que, reunidas, nos dão o núcleo da ideia de constitucionalismo. Assim, a busca pela limitação do poder do governante e a luta pela garantia de direitos fundamentais do indivíduo integram o conceito dos movimentos constitucionais. O constitucionalismo é, no plano político e social, a luta da sociedade para regrar a atuação do governante, impondo-lhe limites e deveres, e fixar os direitos básicos do homem em face do Estado.

            Assim pondera Habermas (2002, p. 229) sobre a origem das constituições:

 

As constituições modernas devem-se a uma idéia advinda do direito racional, segundo a qual os cidadãos, por decisão própria, se ligam a uma comunidade de jurisconsortes livres e iguais. A constituição faz valer exatamente os direitos que os cidadãos precisam reconhecer mutuamente, caso queiram regular de maneira legitima seu convívio com os meios do direito positivo

 

Constituição Cidadã

 

            A Constituição Federal de 1988 é um marco na conquista de direitos na história brasileira. Chamada por alguns de “Constituição Cidadã”, questionada por outros pelo fato de, na prática, não ter sido o resultado de uma Assembleia Constituinte verdadeiramente popular, democrática e cidadã, o fato é que houve uma participação massiva da sociedade civil no processo constituinte. A “Constituição Cidadã” foi discutida e votada de fevereiro de 1987 a setembro de 1988 pelos 559 parlamentares constituintes (72 senadores e 487 deputados federais), com a participação da sociedade e promulgada em 5 de outubro de 1988.

Crédito: Senado Federal - Chuva de papel picado em plenário após a aprovação do texto e o anúncio do fim dos trabalhos da Constituinte. In: site comemorativo dos 30 anos da Constituição

 

 

            Não houve apenas um processo massivo de participação nesse processo como é possível afirmar, com base em Raquel Raichelis (1998) que a partir da aprovação da Constituição de 1988 o tema da participação da sociedade ganha novos contornos e dimensões na esfera pública. “A Constituição de 1988 abriu espaço, por meio de legislação específica, para práticas participativas nas áreas de políticas públicas, em particular na saúde, na assistência social, nas políticas urbanas e no meio ambiente” (AVRITZER, 2009, p. 29-30), seja através de plebiscitos, referendos e projetos de lei de iniciativa popular (BRASIL, 2015, art. 14, incisos I, II e III; art. 27, parágrafo 4º; art. 29. Incisos XII e XIII), seja através da participação na gestão das políticas de seguridade social (BRASIL, 2015, art. 194), de assistência social (BRASIL, 2015, art. 204) ou dos programas de assistência à saúde da criança e do adolescente (BRASIL, 2015, art. 227).

 

Diferentes áreas de políticas públicas, que foram inscritas na Constituição de 1988 como direitos sociais, definiram como uma das suas diretrizes a participação social, dentre elas a saúde e a assistência social. A primeira já desenvolvia experiências de participação comunitária desde o final da década de 1970, como os conselhos populares de saúde e as comissões de saúde da Zona Leste (São Paulo), as comissões interinstitucionais nos três níveis de governo previstas no Programa de Ações Integradas de Saúde, criado em 1984, e no Programa dos Sistemas Unificados Descentralizados de Saúde, de 1987 (CUNHA; PINHEIRO, 2009, p. 145).

 

            A década de 1980 é marcada por um otimismo de participação da sociedade no exercício dos direitos políticos em contraposição ao regime ditatorial brasileiro. O movimento das “Diretas Já” que antecede a Constituinte de 1988 é um marco neste processo e levou multidões às ruas e praças públicas exigindo eleições diretas para presidência da República. No desdobramento destas lutas estavam os movimentos sociais que se organizavam em torno de uma maior participação da sociedade civil nas relações de poder culminando com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1987. Houve uma proposta de uma Constituinte congressual que era o oposto de várias manifestações da sociedade civil que pautou as discussões em torno da PEC (Projeto de Emenda Constitucional) nº 43 e os próprios trabalhos dos constituintes posteriormente eleitos. À sociedade civil restou o esforço de mobilização de buscar o compromisso de candidatos e partidos que iriam compor a Constituinte e participar das Audiências Públicas que foram realizadas dentro do cronograma da ANC com a participação de entidades representativas de diferentes segmentos da sociedade onde era possível sugerir propostas que seriam encaminhadas às subcomissões que comporiam a ANC.

 

No dia 1º de fevereiro de 1987, no ato de instalação, a composição da Assembleia Nacional Constituinte era a seguintes: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) – 303; Partido da Frente Liberal (PFL) – 135; Partido Democrático Social (PDS) – 38; Partido Democrático Trabalhista (PDT) – 26; Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – 18; Partido dos Trabalhadores (PT) – 16; Partido Liberal (PL) – 07; Partido Democrático Cristão (PDC) – 06; Partido Comunista Brasileiro (PCB) – 03; Partido Comunista do Brasil (Pc do B) – 03; Partido Socialista Brasileiro (PSB) – 02; Partido Social Cristão (PSC) – 01 e Partido Municipalista Brasileiro (PMB) – 01. Essa configuração se alterou ao longo do processo constituinte devido a dissidências (EVANGELISTA, 2004, p. 51-52).

 

            O processo da Assembleia Nacional Constituinte foi longo. Teve início no dia 02 de fevereiro de 1987 e foi presidida pelo Ministro Moreira Alves onde foi decidida que a Assembleia seria presidida por Ulisses Guimarães. Durou vários meses e se estendeu até o ano de 1988, desde a aprovação do seu Regimento Interno, instalação das Comissões Temáticas e Subcomissões com seus presidentes e vice-presidentes, audiências públicas para debater os temas em análise da ANC, até a aprovação do Projeto de Constituição.

            A participação popular aconteceu de duas formas: através das audiências públicas como já mencionamos; e

 

(...) pelo dispositivo da iniciativa popular que permitia a apresentação de emenda ao anteprojeto de Constituição, desde que atendida a exigência de conter no mínimo 30.000 assinaturas de eleitores e respaldo de três entidades associativas, legalmente constituídas (EVANGELISTA, 2004, p. 53).

 

            As mobilizações que antecederam a Assembleia Nacional Constituinte de 1987, criaram as condições para que a sociedade civil apresentasse propostas de emendas e participasse de audiências públicas nas subcomissões temáticas. Um manifesto com mais de 400 mil assinaturas foi apresentado ao Congresso nacional pelo direito à iniciativa popular de apresentar emendas ao projeto da nova Constituição. E de acordo com Carlos Michiles (1989), 168 emendas foram apresentadas pela sociedade civil reunindo um total de pelo menos 12 milhões de assinaturas, das quais 60 % das emendas foram aprovadas e constam no texto constitucional.

            Um outro dado importante neste contexto é o fim da ditadura militar fazendo com que o Brasil vivenciasse ao longo da segunda metade da década de 1980 um momento político denominado Nova República e foi caracterizado pela ampliação da Democracia política no país. Nesta época o Sr. José Sarney, foi o primeiro presidente civil pós-ditadura militar. Durante seu governo havia uma grave crise econômico-social que culminou em recessão, consequência dos anos da ditadura militar.

            É nesse contexto que surge a Constituição Federal de 1988 considerada por vários autores um importante marco histórico brasileiro, no mandato do presidente José Sarney, ao reconhecer teoricamente a necessidade de consolidar o processo de redemocratização do país. José Sarney ficou conhecido também pelo lema do seu discurso “Tudo pelo Social”, contudo, com relação a esta promessa de mudança Silva considera que:

 

No campo das políticas sociais quase nada mudou. As reformas estruturais prometidas no âmbito das políticas sociais já consolidadas, como saúde, educação, previdência e habitação, foram sendo abandonadas na medida em que começaram a ferir interesses de grupos específicos dentro ou fora do aparato estatal (apud LEMOS, 2013, p. 53).

 

            Nesse período é promulgada, em 1988, a nova Constituição Federal. que respaldou o processo de redemocratização do Estado de Direito, no contexto de uma república presidencialista, após a ditadura militar entre 1964 e 1984. Após intensas discussões e brigas políticas, a recém-elaborada constituição foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, pelo presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães. Ele a denominou de “Constituição Cidadã”, pois o povo pôde contribuir para sua elaboração, por meio de propostas populares. Além disso, ela inaugurou um novo país, erguido sob o Estado Democrático de Direito e que devia respeito à sua Lei Maior. A Constituição Federal de 1988 foi considerada como marco histórico na sociedade brasileira por estar baseada em princípios democráticos universais, equitativos, ampliando os direitos sociais.

            Com a CF/88, a forma republicana e o sistema presidencialista de governo foram consolidados. Isso ocorreu especialmente após o plebiscito (consulta popular) de 21 de abril de 1993, que confirmou a escolha da população por esses mecanismos de Administração Pública. O federalismo foi reestabelecido e os entes da federação voltaram a ter autonomia política, administrativa e financeira. A redemocratização trouxe de volta a tripartição real dos Poderes, que, conforme o art. 2º, são independentes e harmônicos entre si (BRASIL, 2015).Não podemos deixar de mencionar que foi com a “Constituição Cidadã” que os direitos fundamentais do indivíduo foram consolidados em nosso ordenamento jurídico tendo a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro.

            Ao lado da dignidade da pessoa humana, adotamos como fundamentos, ainda, a soberania (internamente, traduz-se na ideia de que ninguém é superior ao Estado, e, externamente, significa que todos os países são iguais entre si), a cidadania (na qual o sujeito possui o direito e o dever de intervir na ordem política em que se insere, tanto elegendo seus representantes como contribuindo para melhorar a sociedade), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político (rompendo com a ordem anterior, que se baseava no bipartidarismo e no repúdio à diversidade política).

            Algumas mudanças foram conquistadas pelos trabalhadores no campo dos direitos sociais e da Democracia com alguns indiscutíveis avanços, principalmente no campo da proteção social, isso aconteceu a partir das lutas e reivindicações de setores combativos da sociedade, como por exemplo, sindicatos dos trabalhadores e associações.

            Entre os maiores avanços incorporados na CF/88 destacamos um dos objetivos fundamentais da República, que é o de “construir uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, descrito no art. 3º, inciso I e IV (BRASIL, 2015).

            No que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais, ressaltamos a determinação de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à dignidade, à segurança e a propriedade, segundo o art. 5º (BRASIL, 2015).

            Merece especial olhar outro importante avanço, a conquista da Seguridade Social, pois, como novo sistema de “proteção social do trabalhador/cidadão é vista como um conjunto de iniciativas indissociáveis e essenciais” (SILVA apud LEMOS, 2013), cujas políticas sociais que fazem parte do tripé da seguridade social são entendidas em seu artigo 194, como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à Saúde, à previdência, e à assistência social.” (SILVA apud LEMOS, 2013, p. 52)

            Tem por principais objetivos:

 

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - equidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados. (SILVA apud LEMOS, 2013, p. 52) .

 

                       Com a Segurdade Social buscou-se definir um pacto pela cidadania fundado no tripé: Previdência, Saúde e Assistência. A Previdência para garantir que todos os trabalhadores tenham assegurado o direito de manter sua condição de vida; a Saúde que passou a ser direito de todos, devendo o poder público e a sociedade ampararem os que adoecem; e a Assistência que deve atender àqueles que não puderam inserir-se na atividade produtiva, por incapacidade física ou mental, necessitando ser amparados pelo poder público.

            Entretanto, como sabemos, grande parte desses conceitos não saiu do papel, da mesma forma como os princípios fundamentais de todos os direitos humanos ainda vão levar algum tempo para serem consolidados na prática, seja porque deveriam ser regulamentados posteriormente, o que aconteceu muito lentamente, ou por falta de recursos para implementar o que já foi regulamentado, ou ainda, por falta de vontade política.

 

Esboço da Estrutura da Constituição Federal
 

 

 

Referências Bibliográficas

AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil e participação no Brasil democrático. In: ____. [org.]. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009, p. 27-54. (Coleção Democracia Participativa).

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 48. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.

CUNHA, Eleonora Chettini M.; PINHEIRO, Marcia Maria B. Conselhos nacionais: condicionantes políticos e efetividade social. In: AVRITZER, Leonardo [org.]. Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. (Coleção Democracia Participativa).

EVANGELISTA, Carlos Augusto Valle. Direitos Indígenas: o debate na Constituinte de 1988. Dissertação (Mestrado em História Social). Programa de Pós-Graduação em História Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ/IFICS, 2004.

HABERMAS, Jürgen. A luta por reconhecimento no Estado democrático de direito. In: ____. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002, p. 229-268.

LEMOS, Jéssica. Velhice e Políticas Públicas: Um estudo preliminar dos idosos junto ao Grupo Antonieta de Barros - SESC Florianópolis. Trabalho de Conclusão de Curso. Departameto de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Santa Catarina, 2013.

MICHILES, Carlos [et. al.]. Cidadão Constituinte: a saga das emendas populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

RAICHELIS, Raquel. Articulação entre os conselhos de políticas públicas: uma pauta a ser enfrentada pela sociedade civilServiço Social e Sociedade. São Paulo: ano XXVII, n. 85, p. 109-116, 2006.

A Câmara dos Deputados disponibilizou para consulta on-line o acervo da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa de 1823. São mais de 3 mil documentos históricos da primeira experiência legislativa do Brasil, após a independência de Portugal.

A Assembleia Geral Constituinte se reuniu de abril a novembro de 1823, mas o trabalho não chegou a ser aproveitado pelo imperador dom Pedro 1º, que preferiu outorgar a Constituição de 1824, elaborada sem participação popular.

No entanto, o rico conteúdo dos debates, projetos de lei, pareceres de comissões, requerimentos e resultados de votações da Constituinte de 1823 fornece elementos de pesquisa para contextualizar o Brasil do século 19, ainda imperial e escravocrata.

O acervo documental da Câmara está disponível em vários formatos e suportes, como papel, áudio, vídeo, manuscritos, mapa, microfilme e fotografias.

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Veja também outro acervo importante que estará disponível on line: o da história oral dos servidores da Câmara que trabalharam na Constituinte. O site já conta com 23 depoimentos, de profissionais que trabalharam na área gerencial, nas assessorias, nas comissões, na divulgação, nas lideranças partidárias e no gabinete presidencial.

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A Edições Câmara está produzindo uma nova versão da Constituição em audiolivro. Atualmente quem acessa a página da Câmara ouve a Constituição narrada por uma voz mecânica. Esta versão vai ser substituída pela narração de um locutor. A mudança no audiolivro da Constituição deve acontecer no mês de outubro, durante as comemorações dos 30 anos da Carta Magna. Os interessados podem acessar a Constituição em áudio na página da biblioteca digital no site https://bd.camara.gov.br/