Linguagem e Política

 

por Luana Pantoja Medeiros

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&

Alexsandro Melo Medeiros

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postado em abr. 2019

            A linguagem é indissociável na vida das pessoas e hoje em dia, indispensável. Alguns filósofos da linguagem como Bakhtin pensaram a linguagem como um objeto filosófico, entendendo assim “a linguagem sendo algo inerente à existência humana, e suas condições de organização na sociedade” (BAKHTIN, 1981, p. 6-7). Também o filósofo alemão Jürgen Habermas, conhecido por causa da sua Teoria do Agir Comunicativo, considera o homem ontologicamente como um ser de linguagem. Através da linguagem homens e mulheres se integram na sociedade e se situam no mundo uns com os outros. A linguagem desempenha um papel crucial em todos os aspectos da vida, do pensamento e da interação humana. A linguagem é o princípio da socialização e da intersubjetividade comunicativa que confere significado às interações sociais.

            A linguagem não é algo que pertence somente à raça humana, ela se prolonga aos animais, e cada um ao seu modo de evolução, a utilizam para sobrevivência das espécies. E assim somos nós, com a enorme diferença de que nossas formas de linguagem são e estão em todos os lugares, carregadas de significados, intenções, pretensões, que não são somente para garantir a perpetuação da espécie, mas também para fins de comunicação, poder, manutenção de poder, posicionamento político e filosófico.    

            Bakhtin coloca, em primeiro lugar, a questão dos  dados  reais  da linguística, da natureza real dos fatos da língua. A língua é, como para Saussure, um fato social, cuja existência se funda nas necessidades da comunicação. Mas, ao contrário da linguística unificante de Saussure e de seus herdeiros, que faz da língua um objeto abstrato ideal, que se consagra como  sistema  sincrônico  homogêneo  e rejeita  suas manifestações  (a  fala)  individuais. O pensamento Bakhtiniano vai se diferenciar pela forma que ele analisa a linguagem, valorizando os atos de enunciação e afirmando sua natureza social e não individual. Desta forma, a fala está indissoluvelmente ligada às condições da comunicação que,  por  sua  vez,  estão  sempre  ligadas às  estruturas sociais.

        Se por um lado a filosofia de Bakhtin especifica, dentro desse universo da linguagem, em especial a fala, ela é atribuída, em sua pesquisa, como algo individual e, portanto um objeto específico da linguística que irá tratá-la como um fenômeno sociocultural, por outro lado a Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen Habermas ressalta o aspecto intersubjetivo da linguagem que ocorre nas relações sociais. No caso específico da Teoria do Agir Comunicativo, na guinada epistemológica que substitui o paradigma de uma filosofia da consciência, pelo paradigma do agir comunicativo, a racionalidade deve ser pensada não apenas do ponto de vista do indivíduo isolado (filosofia da consciência), mas a partir de uma sociologia do mundo das relações subjetivas ou, para ser mais exato, intersubjetivas (agir comunicativo), pelo simples fato de que a existência humana se produz na relação constante com outros homens e mulheres e dentro de um processo social. E a partir desta visão de mundo, Habermas constrói todo um arcabouço teórico que considera o papel fundamental da linguagem não apenas do modo o mais abrangente possível, mas também no âmbito das questões sociais e políticas. De sua Teoria do Agir Comunicativo, um agir racional mediado pela linguagem, deriva a sua Teoria do Discurso, bem como um modelo procedimental de política e democracia que ele chama de política deliberativa centrada em um processo de legitimação da “democracia por intermédio de um procedimento ideal e racional de deliberação e de tomada de decisões” (LOIS; MARQUES, 2013, p. 188). A partir da teoria do discurso o exercício do poder político passa a ser legitimado a partir do poder comunicativo (agir comunicativo) dos cidadãos, em um processo de formação da opinião e da vontade estruturada por meio do discurso, que atuam como meio para a racionalização discursiva das decisões de uma administração atrelada ao direito.

 

Linguagem e Relações de Poder

            Ao que se trata dos fenômenos socioculturais carregados de significação, a linguagem na forma de fala, ou discurso, é posicionamento político, e implica relações de poder: quem fala? De onde fala? Sobre o que fala? Para quem fala? O exercício e a manutenção de poder social pressupõem uma estrutura ideológica. “Essa estrutura, formada por cognições fundamentais, socialmente compartilhadas e relacionadas aos interesses de um grupo e seus membros, é adquirida, confirmada ou alterada, principalmente por meio da comunicação e do discurso. (DIJK, 2012, p. 43).”  A linguagem oral é, portanto uma poderosa ferramenta. O poder, neste sentido, produz artifícios de verdade, ele mantém e condiciona essa verdade.  Rezende cita Michel Foucault,

Não nos podemos contentar em dizer que o poder tem necessidade de tal ou tal descoberta, desta ou daquela forma de saber, mas que exerce o poder e cria objetos de saber, os faz emergir, acumula informações e se utiliza delas. O exercício de poder cria e perpetua saber e, inversamente, o saber acarreta exercício de poder (FOUCALT apud REZENDE, 2005, p. 268). 

            Segundo este pensamento, a verdade nunca está separada de poder e não transcende em relação a ele. Foucault acredita que um discurso de verdade não se obtém como produto de uma pesquisa livre e desinteressada, mas sempre através de um exercício de poder, a busca da verdade é sempre interessada.

            Judith Butler (2015) também trata a fala, ou o discurso, como ato político, a fala é posicionamento político, ela nunca é desinteressada, e está revertida de performances. O discurso pode variar, em vários aspectos, por uma mesma pessoa, o que vai determinar é o lugar de fala, e o poder que é exercido pelo (a) falante, e ou pelo local. Onde podemos justificar o conceito de comunidade de prática desenvolvido no trabalho de Eckert (2010) sobre a proposta de Jean Laver e Etiene Wenger suscita a noção de que práticas sociais se correlacionam com o lugar individual. O conceito de comunidade de prática, neste sentido, é retirada da noção de comunidade e sua caracterização em termos de localização ou população, definindo assim uma comunidade pelo seu engajamento social.

            Comunidade de prática é um conjunto de pessoas agregadas em razão do engajamento mútuo em um empreendimento comum. Modos de fazer coisas, modos de falar, crenças, valores, relações de poder, práticas sociais, emergem durante sua atividade conjunta em torno do empreendimento.

            As várias formas de posicionamentos estabelecem a relação de discurso performático, são aqueles que se moldam a partir do ambiente de prática, contexto, situação e lugar de fala.

            Considerando estas questões, tomemos como exemplo o posicionamento de mulheres diante de situações importantes a nível social para a sua comunidade. 

            Uma mulher pode exercer vários discursos performáticos, a partir dos vários papéis que ela exerce no meio social. Exemplo: uma mulher, dentro de sua casa, ao falar ao com seus filhos, ela exerce um papel político a partir da fala de uma mãe. Essa mesma mulher pode ser membro de um partido político, e seu discurso pode ser variável de acordo com o poder que ela exerce dentro do partido, sendo ela membro filiada, ou uma presidenta. Ainda falando dessa mulher, se ela for uma empregada doméstica, sua fala não será mais do que concordar e obedecer às ordens de sua patroa.

            Percebamos que todos esses lugares possíveis de discurso, são comunidades de prática, que naturalmente implicam relações de poder, pois uma mãe exerce um papel de estrema importância na educação de seus filhos. Ser mãe é um ato político, que exerce sob seus filhos o poder de educá-los. Ao que tange o discurso partidário, o discurso político dessa mulher, é possível que, em seu lugar de tribuna, exista conflitos com outros membros da comunidade, e isso dependerá do seu lugar de fala, conflitos de interesses, ao que se refere a problemas de gênero. No discurso da empregada doméstica, essa mesma mulher adotará outra performance de fala, pois nesse contexto, ela não exerce função de poder ou prestígio.

            A fala no meio social é sempre revertida de interesse e performances, um padre rezará uma missa de batina, assim  como não frequentará a academia de ginástica vestindo de batina. Naturalmente, assim acontece com os discursos, eles nunca terão o mesmo valor para comunidades de práticas diferentes, pois os discursos são frutos das relações sociais, que estão dotados de relações de poder. Lingaguem e fala são ações, ações são atos performáticos e políticos. Portanto, indissociáveis e inerentes um do outo.

Referências Bibliográficas

BAHKTIN, Mikhail; VOLOCHÌNOV, V. N.. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Editora Hucitec, São Paulo, 1981.

BUTLER, Judith P. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. 9. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

DIJK, Teun A. Van. Discurso e poder. 2. ed., São Paulo: Contexto, 2012.

ECKERT, Penelope; McCONNELL-GINET, Sally. Comunidades de práticas: lugar onde co-habitam linguagem, gênero e poder, in: OSTERMANN, Ana Cristina; FONTANA, Beatriz. Linguem. Gênero. Sexualidade: clássicos traduzidos. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

LOIS, Cecília Caballero; MARQUES, Gabriel Lima. A Desconstrução Semântica da Supremacia Judicial e a Necessária Afirmação do Judicial Review: uma análise a partir da democracia deliberativa de Habermas e Nino. Seqüência – Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, n. 66, p. 113-136, jul. 2013. Acesso em 17/04/2019.

REZENDE, Antônio. Curso de filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação. 13. ed.. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

 

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