Taoísmo

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em: mai. 2020

 

        O Taoísmo (ou Daoísmo) é um sistema filosófico que tem como base as ideias de Lao-Tsé ou Lǎozǐ (老子, 604-531 a.C.). O termo taoísta é formado por dois ideogramas chineses: Tao que pode ser traduzido como caminho; e Diao que significa ensinamento. O taoísmo pode ser entendido como a tradição (ou ensinamento) que vem do passado, indicando o caminho da sabedoria ou a volta ao princípio (por isso, o objetivo dos taoístas também é denominado Via do Retorno).

        Pouco se sabe acerca da história de vida de Lǎozǐ, porém sua historicidade está presente através do seu livro O Clássico do Caminho e da sua Virtude, o Tao Te King (ou Dào Dé Jīng – 道德經), escrito entre 350 e 250 a. C.: “uma compilação de textos poéticos que tratam do Dào (道) e da sua virtude [...] além de possuir uma linguagem bastante sintética, grande parte das passagens da obra é de significado obscuro, de difícil compreensão” (CRUZ, 2017b, p. 120). A obra pode ser dividida em duas partes sendo a primeira dos capítulos 1 ao 37 conhecida como Dào Jīng (Clássico do Caminho) e a segunda dos capítulos 38 até 81 conhecido como Dè Jīng (Clássico da Virtude).

       Em 666 d. C. Lǎozǐ foi canonizado pelo imperador da dinastia Tang com o título de Sublime Imperador de Mística Origem. Quase 400 anos depois, mais precisamente em 1013 foi-lhe acrescentado novo título, o de Sublime Senhor Lao, pelo imperador da dinastia Song.

       Além de Lǎozǐ o Taoísmo costuma estar associado também aos trabalhos do filósofo Zhuāngzǐ (ou Chuang-Tsé, 莊子) (369 a.C. – 286 a. C.), autor da obra Nán Huá Jīng (ou O Clássico da Essência do Sul – 南華經): um livro com 33 capítulos de historietas e anedotas com o objetivo de promover o taoísmo. Este título Nán Huá Jīng foi atribuído posteriormente. Antes, a obra tinha o mesmo nome do autor (CRUZ, 2017b, p. 16). Esta obra pode ser dividida em três partes: os capítulos que reconhecidamente foram escritos pelo próprio Zhuāngzǐ, chamados de capítulos internos; os capítulos escritos por seus discípulos, chamados de capítulos externos; e os capítulos escritos por seus discípulos e demais estudiosos taoístas, chamados de capítulos diversos (WANG, 1996, p. 31 apud CRUZ, 2017b, p. 122).

          Além do Dào Dé Jīng, de Lǎozǐ, e do Nán Huá Jīng, de Zhuāngzǐ, o I Ching (O Livro das Mutações) é a terceira obra que forma a base dos estudos taoístas.

         Outras obras que servem de base ao Taoísmo além do Tao Te King são: o Huangdi Neijing Suwen (Livro da Medicina Interna do Imperador Amarelo), o Yijing ou I-Ching (Livro das Mutações), o Tratado do Vazio Perfeito de Liezi. Outras obras menos conhecidas são: Taishang Ganying Pian (Tratado do Abençoado na Resposta e Retribuição) que discute pecado e ética; a Taiping Jing (Escritura de Grande Paz); e o Baopuzi (Livro do Mestre que Conserva a Simplicidade) que contêm fórmulas alquímicas taoístas que se acreditavam poder conduzir à imortalidade.

       O Taoísmo consiste, junto com o Confucionismo, nos dois grandes sistemas da tradição chinesa. A China é considerada como “A Terra do Três Ensinamentos”, por causa da influência do Budismo, incorporado à tradição taoísta e confucionista chinesa.

        Ao longo do tempo se desenvolveram várias escolas do Taoísmo com diferentes tipos de crenças e práticas. No geral, entretanto, apresentam algumas ideias comuns tanto do ponto de vista filosófico quanto ético. No campo filosófico temos os conceitos de tao, não ação, o vazio, contemplação da natureza. No campo da ética temos a ideia de: moderação dos desejos, serenidade, a simplicidade, a espontaneidade; e os chamados Três Tesouros: compaixão, moderação e humildade.

       Costuma-se fazer também uma distinção entre o taoísmo filosófico e o taoísmo religioso, respectivamente: Daojia e Daojiao. O taoísmo religioso seria aquele que, além do taoísmo filosófico (baseado nos mesmos pressupostos e fundamentos), inclui rituais e um conjunto de costumes e crenças provenientes da religião popular chinesa.

      Ao longo da história chinesa, o Taoísmo foi, por diversas vezes, decretado a religião do Estado. No século XVII, no entanto, perdeu muito de sua popularidade e foi reprimido nas primeiras décadas da República Popular da China e até mesmo perseguido durante a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung. Hoje em dia, é uma religião reconhecida pela República Popular da China.

 

O Tao

            O ideograma 道 (tao ou dao) significa “caminho”, “via” ou “princípio”, e no Taoísmo, especificamente, o termo designa o caminho verdadeiro, a fonte, a dinâmica e a força motriz por trás de tudo que existe. É o que há de mais profundo e misterioso na realidade e que faz com que tudo seja como é. O Tao produz tudo, é a energia básica, cósmica, universal, que dá vida aos objetos e está em todos os fenômenos da natureza.

            Na verdade, o tao não pode ser nomeado ou categorizado e até mesmo a palavra tao pode ser considerada um nome limitador. Assim podemos entender o início do Tao Te Ching: “Aquilo que se dá o nome de Tao não é o verdadeiro Tao, como um simples nome não é a coisa em si. Sem nome, Ele é a origem do céu e da terra. Com nome, Ele é a mãe de todas as coisas” (apud HODOUS, 1956, p. 40).

O tao jaz no fundo da religiosidade e da filosofia chinesas, como talvez o logos no pensamento europeu e dharma na filosofia indiana. Se a filosofia no mundo hindu tem, em suas raízes, uma tendência fortemente metafísica, e a filosofia budista um acento psicológico direcionada à experiência imediata, eu diria que a filosofia chinesa possui um coração não apenas profundamente ético mas também estético (PAINE, 2007, p 90).

            Por um lado, parte da compreensão do tao é lógica, racional e conceitual. “Outra parte é subjetiva, misteriosa, empírica, devendo ser vivenciada através da experiencia individual. Por isso, as práticas são fundamentais na Tradição Taoísta. O Caminhar é inerente ao Caminho” (CANALONGA, s/d, p. 24).

            Para o Taoísmo a verdadeira sabedoria consiste no conhecimento do Tao. Todavia, esse conhecimento está além da observação, da discussão, do conhecimento racional e só pode ser alcançado através de um estado místico. “A verdadeira sabedoria não consiste no conhecimento das coisas sensoriais, mas sim no conhecimento do Tao. Esta sabedoria não pode ser alcançada por estudos nem por esforços: o processo para obtê-la é o místico” (HODOUS, 1956, p. 41). O Tao não pode ser conhecido de maneira racional. Quando lemos no Tao Te Ching que O tao que pode ser descrito não é o tao real: “Isso significa que o homem não pode investigar ou estudar a natureza do tao, não pode usar o intelecto para compreendê-lo. Ele deve meditar, imerso numa tranquilidade sem nexos e esquecer todos os seus pensamentos a respeito das coisas externas” (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 87).

            Outro conceito importante presente no Tao Te Ching é o Te que, segundo Hodous (1956, p. 41) significa receber: “Quando as coisas recebem o princípio vital, eis aí o Te”.  Se o Tao é a energia universal, o Te é a sua atividade. Temos também outro aspecto relacionado ao tao que é a concepção de não-ação (wúwéi, 無為), que não se trata de mera passividade mas, partindo da crença de que tudo na natureza está em conexão, consiste em um deixar fluir ou seguir o fluxo natural das coisas.

A postura do taoísta é a de adaptar suas ações aos movimentos do Tao, ou seja, deixar que tudo ocorra como deve naturalmente ocorrer, não interferindo nas oscilações do mundo, não agindo de forma contrária à natureza das coisas, não exercendo força nenhuma sobre si mesmo ou sobre coisa alguma ao seu redor.

            O tao nos remete a uma unidade dual. Do tao surge um (aquele que está consciente), de cuja consciência, por sua vez, surge o conceito de dois (yin e yang). A oposição dualista e combinação dos dois princípios básicos yin e yang (seu símbolo é chamado taìjí, 太極) podem ser associados aos polos opostos como: masculino e feminino, luz e sombra, claro e escuro, ativo e passivo, movimento e repouso, grande e pequeno, força e suavidade. Contudo, nenhum dos dois é mais importante ou melhor que o outro. Na verdade, nenhum pode existir sem o outro, porque eles são aspectos equiparados do todo. São “duas metades que giram em um ciclo eterno, onde yīn (princípio feminino, a noite, a morte) depende de yáng (princípio masculino, o dia, a vida) para manter o ciclo, sendo que ambos possuem o mesmo valor e importância” (CRUZ, 2017a, p. 12).

            De acordo com a cosmologia oriental, o princípio era o Um, o absoluto, e de sua polarização nasceu o Dois, o Yin e o Yang. Todos os fenômenos da natureza são produzidos a partir da interação constante entre yin e yang: o dia e a noite, frio e calor, contração e expansão, e até a vida e a morte. Yin simboliza o repouso, e yang, o movimento. Yin é a mente intuitiva, complexa, ao passo que yang é o intelecto, racional.

             Em certo sentido, o que existe é um ciclo infinito onde energias diferentes se equilibram voltando a ser uma coisa só.

            Da mesma forma como na natureza, as pessoas trazem manifestações dessas duas energias. Um exemplo pode ser visto do ponto de vista fisiológico, em que, sob condições normais do corpo humano, o equilíbrio é mantido pela mútua oposição entre Yin e Yang. Se por alguma razão esta oposição resultar num excesso de Yin ou de Yang, o equilíbrio fisiológico relativo do corpo é rompido e aparece a doença.

É importante salientar que os exemplos acima não incluem qualquer juízo de valor ou hierarquia, ou seja, ao referir-se a yang como positivo apenas indica que ele é positivo quando comparado com yin, que será negativo. Em uma analogia com a carga elétrica atribuída a prótons e elétrons, por exemplo, positivo não é bom ou mau, é apenas o oposto complementar de negativo.

            O símbolo do yin e yang “representa a Unidade harmônica e dinâmica, formada pelas duas grandes forças que, para o Taoismo, compõem tudo o que existe no universo” (CANALONGA, s/d, p. 25). Para a filosofia taoísta tudo o que existe no universo é composto da parte yin e da parte yang, sendo que em alguns seres predomina o yin e em outros o yang. A partir da combinação de yin e yang: “as coisas ou seres crescem e diminuem, exteriorizam e interiorizam, avançam e recuam, movem-se e param, sobem e descem, esquentam e esfriam, surgem e desaparecem. Isto é parte da naturalidade, inerente as manifestações do universo” (CANALONGA, s/d, p. 25). Os dois pontos do diagrama acima simbolizam a ideia de que, toda vez que cada uma das forças atinge seu ponto extremo, manifesta, dentro de si, a semente de seu oposto.

            Sobre a relação do yin e yang com o Tao e com as forças da natureza, Hodous (1956) pondera como o yin e o yang agem através da água, do fogo, da madeira, do metal e do solo (os cinco agentes ou forças) e que tal ação produz os fenômenos da terra, como o dia e a noite, as estações e o próprio homem. “Esse movimento dos céus em volta da terra era chamado Tao pelos filósofos do yin e do yang. Formularam sua teoria com a frase: ‘Um yin e um yang formam o Tao’” (id., ibidem, p. 39).

            Podemos pensar também em como a filosofia do tao se desenvolve tomando como princípio a transformação do universo compilada nos ensinamentos do livro I Ching ou O Livro das Mutações.

A filosofia do I Ching supõe um universo regido pelo princípio da mudança e da relação dialética entre opostos. Nunca apresenta uma situação que não inclua o princípio contrário àquele que rege o signo, o que levará a um novo estado. As mudanças ocorrem ciclicamente, como as estações do ano, respeitando o conceito taoísta do yin e do yang. Em seu aspecto cosmogônico, o I Ching descreve um universo no qual a energia criativa vem do céu, enquanto a terra recebe e fecunda a energia primaria (sic). De certa forma, o I Ching considera a mudança como a única realidade existente, o ser (GONÇALVES, 2018, p. 54).

 

Ética taoísta

            Gonçalves (2018, p. 52) ressalta como parte dos ensinamentos de Lǎozǐ os “‘três tesouros fundamentais’: a humildade, a simplicidade e a afetividade”.

            A humildade é o oposto do orgulho em termos de yin e yang, sendo o orgulho um dos grandes empecilhos de desenvolvimento espiritual limitando a possibilidade de contato com o Tao. A passagem abaixo do Tao Te Ching (verso 22 apud GONÇALVES, 2018, p. 52) ilustra a importância da humildade:

Aquele que conhece o outro é sábio. Aquele que conhece a si mesmo é iluminado. Aquele que vence o outro é forte. Aquele que vence a si mesmo é poderoso. Aquele que conhece a alegria é rico. Aquele que conserva o seu caminho tem vontade. Seja humilde, e permanecerás íntegro. Curva-te, e permanecerás ereto. Esvazia-te, e permanecerás repleto. Gasta-te, e permanecerás novo. O sábio não se exibe, e por isso brilha. Ele não se faz notar, e por isso é notado. Ele não se elogia, e por isso tem mérito. E, porque não está competindo, ninguém no mundo pode competir com ele.

 

 

Referências Bibliográficas

CANALONGA, Wagner. Os Rituais na Tradição Taoista. Cadernos de Registro Macu [on line]. Acesso em: 13 mai. 2020.

CRUZ, Erasto Santos. “Chuang Tze e o rei de Chu”: Silva Mendes e sua adaptação dos clássicos taoístas. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 18, p. 11-25, 2017a. Acesso em: 16 mai. 2020.

CRUZ, Erasto Santos. Em Busca do Inominado: Silva Mendes e sua Reescrita de Alguns Trechos do Dao De Jing e do Nan Hua Jing. Dissertação (Mestrado em Letras). Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

GONÇALVES, Paulo Antonio. Os Conceitos Essenciais da Espiritualidade: a busca pela verdade espiritual e a descoberta do caminho de evolução da alma. São Paulo: Eremita Editorial, 2018.

HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry; GAARDER, Jostein. O Livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

HODOUS, Lewis. Taoísmo. In: JURJI, Edward J. (org.). História das grandes religiões. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1956.

PAINE, Scott Randall. Filosofia e o Fato Obstinado da Religião: O Oriente Reorienta o Ocidente. REVER – Revista de Estudos da Religião, p. 68-93, set. 2007. Acesso em: 12 abr. 2020.

 

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