Poder Judiciário

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em nov. 2017

         Em sentido amplo as normas jurídicas, entendidas como um conjunto de regulação dos atos e comportamento dos indivíduos existem há bastante tempo. Mesmo nas remotas sociedades tribais havia um conjunto de normas e leis que poderiam ser caracterizadas como “jurídicas”, destinadas a permitir a convivência harmônica entre seus membros. Neste caso entende-se a lei de forma abrangente, como toda regra jurídica, escrita ou não, que abarca os costumes de um povo. Como pondera Conti (2006, p. 15), mesmo as sociedades tribais “ainda que de forma primitiva, criaram mecanismos para solucionar os conflitos entre seus membros e fazer valer a ordem estabelecida”.

            É a partir dessa necessidade de criar mecanismos para solucionar conflitos entre os membros de uma comunidade que “surgem as primeiras formas do que hoje a maior parte dos Estados modernos convencionou chamar de Poder Judiciário” (CONTI, 2006, p. 15).

            Nas sociedades mais antigas a autoridade para fazer cumprir tais mecanismos eram atribuídas aos anciões, depois passou a ser função de reis e monarcas, como na Idade Média, onde a monarquia estava fundada na origem divina do poder dos reis, a justiça derivava do poder da coroa e o poder judiciário existia como um “braço do rei”, até chegar ao modelo atual da existência de órgãos responsáveis pelo cumprimento das normas e leis.

            De modo mais restrito Conti (2006, p. 16) estabelece a obra Política de Aristóteles como sendo a primeira a estabelecer noções sobre o poder judiciário. A obra Política

 

no livro III (“Dos Governos”], capitulo X, trata especificamente “dos três poderes existentes em todo governo”: o poder deliberativo, o poder executivo e o poder judiciário. Vê-se, por suas palavras, já estar à época evidenciada a existência dos três poderes mencionados

 

Separação dos Poderes

            Embora Montesquieu seja o filósofo quem claramente adotou o princípio da separação dos poderes, essa ideia já existia em pensadores da antiguidade e Idade Média.

 

Distinguira Aristóteles a assembléia-geral, o corpo de magistrados e o corpo judiciário; Marsílio de Pádua no Defensor Pacis já percebera a natureza das distintas funções estatais e por fim a Escola de Direito Natural e das Gentes, com Grotius, Wolf e Puffendorf, ao falar em partes potentiales summi imperii, se aproximara bastante da distinção estabelecida por Montesquieu (BONAVIDES, 2000, p. 173).

 

            Del Vecchio (2010, p. 29-30) também pondera a respeito da distinção de poderes em Aristóteles com base na análise das constituições políticas das quais apenas chegou até nós a Constituição dos Atenienses pois as demais se perderam:

 

Aristóteles destaca o nexo das instituições políticas com as condições históricas e naturais [...] examina quais os governos mais adequados em relação aos vários elementos de fato. Acena ele por primeiro, para uma distinção entre os Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário). A Constituição política é o ordenamento desses Poderes.

 

            Dentre os pensadores que defenderam a distinção entre os três poderes temos o filósofo inglês John Locke e o filósofo alemão Immanuel Kant. É em sua obra Segundo Tratado sobre o Governo  que Locke menciona a existência de três poderes, sendo eles os poderes legislativo, executivo e um terceiro que ele sugere chamar de poder federativo da comunidade. Este último “resulta da necessidade que a comunidade tem de resolver as controvérsias entre um membro da sociedade e os que estão fora dela, bem como de ter um mecanismo para reparar danos causados aos membros dessa sociedade” (CONTI, 2006, p. 17).

            Mas é sem dúvida a obra Espirito das Leis, do pensador francês Montesquieu, onde encontramos uma grande ênfase na separação dos poderes. Nas

 

palavras de Madison no Federalista [...] “O oráculo que sempre se consulta e cita a esse respeito é o celebrado Montesquieu. Se não foi ele o autor deste valioso preceito da ciência política, teve ao menos o mérito de expô-lo e recomendá-lo do modo mais eficaz à atenção da humanidade” (apud BONAVIDES, 2000, p. 175).

 

            No Livro IX de sua obra, Montesquieu

 

passa a analisar as leis que formam a liberdade política e sua relação com a Constituição. Neste ponto é que surgem as idéias fundamentais de Montesquieu para a doutrina da separação dos poderes. Cabe destacar, inicialmente, a definição de “liberdade política”, que, segundo ele, “não pode consistir senão em poder fazer o que se deve querer, e em não ser constrangido a fazer o que não se deve desejar”. Em seguida, reconhece a dificuldade em assegurar-se esta liberdade: “a experiência eterna nos mostra que todo homem que tem poder é sempre tentado a abusar dele: e assim irá seguindo, até que encontre limites”. Logo após, conclui: “Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder contenha o poder” (CONTI, 2006, p. 17)

 

            Dentre as questões que conduzem o pensador francês a defender a distinção entre os poderes está o abuso de poder, em torno do qual é necessário impor limites. Para Montesquieu todo homem tende a abusar do poder e para que se possa impedir este abuso é necessário colocar “um freio ao poder, limitando o poder pelo próprio poder” (BONAVIDES, 2000, p. 175).

            Ao defender a distinção dos poderes em executivo, legislativo e judiciário Montesquieu especifica suas funções: ao legislativo compete fazer as leis; o executivo ocupa-se de questões de paz, guerra e segurança, além de enviar e receber embaixadores; ao judiciário cabe punir os crimes e julgar os dissídios da ordem civil.

            Para Montesquieu, nada mais prejudicial do que a concentração de poder. Se o poder legislativo e o poder judiciário estiverem nas mãos de uma mesma pessoa, o juiz passa a ter a força de um opressor.

 

Por último, assevera o afamado publicista no capítulo VI do livro XI do De l’Esprit des Lois, tudo estaria perdido se aqueles três poderes — o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de punir crimes ou solver pendências entre particulares — se reunissem num só homem ou associação de homens (BONAVIDES, 2000, p. 177).

 

Poder Judiciário no Brasil

           Em 1549, com o estabelecimento do Governo Geral do Brasil pelo Rei Dom João I, a atividade jurisdicional estava centralizada “nas mãos do Governador-Geral, que também exercia atividades administrativas, auxiliado pelos encarregados dos negócios da Justiça (Ouvidor-Mor) e da Fazenda (Provedor-Mor)” (MENDES, 2005, p. 3). No século XVII surgem os Tribunais de Relação e no século XIX os Tribunais de Apelação, que Mendes (2005, p. 3) considera como os embriões dos atuais Tribunais de Justiça.

            A primeira Constituição brasileira outorgada por D. Pedro I no dia 25 de março de 1824 previa a existência de quatro poderes: o poder executivo, legislativo, moderador e o poder judicial: “mas, na prática, a figura dos Poderes Moderador e Executivo, concentrados na pessoa do Imperador, ditava os rumos do Estado” (MENDES, 2005, p. 5). Nesse período o Poder Judicial não gozava de independência (o Poder Judicial era dependente do controle do Imperador) e em seu art. 15º, conforme pondera (DONATO, 2006, p. 18), a

 

Constituição de 1824, inciso VII, conferia à Assembléia Geral a atribuição de fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las. O Judiciário não exercia a atribuição de interpretar as leis, tarefa que foi absorvida pelo Executivo, o que complicava o trabalho do Judiciário, que teria de aplicar leis sem que houvesse uma jurisprudência uniforme no Brasil.

 

            Com a primeira Constituição Republicana brasileira, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, o Poder Judicial passou a ser chamado Poder Judiciário e deixou de ser submisso ao Poder Executivo na pessoa do Imperador, tornando-se independente e adquirindo, inclusive, competência para julgar o chefe do Executivo. Nesse período foram instituídos

 

a Justiça Federal, a Justiça Estadual e o Supremo Tribunal Federal. A Justiça Federal era composta pelo Supremo Tribunal Federal e pelos Juízes Federais. Aos Juízes Federais competia julgar as causas fundadas na Constituição, as de interesse da União, os crimes políticos e os contra a União, bem como as causas entre um Estado e cidadão de outro, as de direito marítimo, as de estrangeiro fundadas em contrato com a União ou em tratados internacionais (DONATO, 2006, p. 23).

 

            Com a terceira Constituição de 1934, fruto de uma Assembleia Constituinte, o Poder Judiciário passou a ter “o controle da constitucionalidade das leis, pois atribuíam ao Supremo, através do voto de dois terços dos seus Ministros, competência para interpretar conclusivamente a Constituição” (DONATO, 2006, p. 24). O Poder Judiciário se expande e são criadas a Justiça Eleitoral, Militar e o Tribunal Especial “com a competência para julgar os crimes de responsabilidade do Presidente da República, dos Ministros da Suprema Corte, dos Ministros de Estado, quando em conexão com os do Presidente da República” (DONATO, 2006, p. 26).

            A Constituição de 1937, a segunda outorgada e quarta constituição, marcou um recrudescimento do regime político brasileiro, fortaleceu o Poder Executivo, manteve as garantias conferidas à magistratura com poucas mudanças no tocante ao Poder Judiciário, silenciando quanto à Justiça Eleitoral e sem um órgão competente para julgar o Presidente da República. Na Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas em 10 de novembro “desaparecem as referências à independência dos Poderes Legislativo e Judiciário e sobressaem a força da Presidência da República e da União sobre os Estados-Membros” (MENDES, 2005, p. 8).

            A Constituição de 1946 marca os novos tempos de redemocratização e retomou as inovações da Constituição de 1934, definindo com maior amplitude e exatidão a competência das Justiça Eleitoral e os crimes cometidos pelo Presidente da República passaram a ser de competência do Supremo Tribunal Federal.

 

A Magna Carta, além de restaurar a Justiça Eleitoral e criar a Justiça do Trabalho, instituiu o Tribunal Federal de Recursos, reintroduzindo a Justiça Federal apenas no âmbito da segunda instância, mantendo o Supremo Tribunal Federal e a Justiça Militar como sendo os órgãos que exercem o Poder Judiciário. A presença da Justiça dos Estados vem destacada no Título II da Constituição, porquanto o Título I compreende apenas a Organização Federal. Como não foi restabelecida a Justiça Federal de primeiro grau, os Juízes Estaduais continuaram a processar e julgar os feitos cuja competência anterior era dos Juízes Federais (MENDES, 2006, p. 7 apud MENDES, 2005, p. 9).         

 

          A Constituição de 1964 deu, mais uma vez, destaque ao Poder Executivo, que passou a ter competência para legislar “de ter iniciativa de leis, bem como da limitação de tempo para aprovação, pelo Congresso, dos projetos do Governo, na delegação legislativa, na restrição a emendas aos projetos governamentais e na faculdade, dada ao Presidente, de expedir decretos-leis” (DONATO, 2006, p. 33). A Constituição de 1964 criou o Conselho Nacional da Magistratura, alterou a composição do Tribunal Federal de Recursos, dos Tribunais Superiores Eleitorais e Regionais Eleitorais.

            Nesse período merecessem destaque os Atos Institucionais número 1 e número 2. O AI n. 1 de 1964 suspendeu as garantias de vitaliciedade e estabilidade do Poder Judiciário. O AI n. 2 de 1965

 

atribuiu à Justiça Militar a competência para processar e julgar crimes políticos ou contra a segurança nacional cometidos por civis; manteve a possibilidade de que juízes fossem postos em disponibilidade ou removidos; concedeu prevalência às sanções militares sobre as civis; admitiu a nomeação de juízes federais pelo Presidente da República, sem concurso público, prática esta sempre rejeitada desde o início da República; excluiu da apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução Militar e pelo governo federal, dentre outras medidas autoritárias (MENDES, 2005, p. 10).


            Inspirada nos ideais democráticos, a Constituição Brasileira de 1988 se fundamentou na separação entre os três poderes de tal modo que considerou um princípio imutável, ou seja, que não pode ser passível de alteração. A separação entre os poderes é considerada uma cláusula pétrea pela Constituição vigente: não pode ser alterada e nem pode ser objeto de deliberação como proposta de emenda constitucional (art. 60, §4º, III). Além disso, tal separação “pressupõe a independência e a autonomia do Poder Judiciário frente aos demais poderes, sendo esta autonomia ampla, abrangendo os aspectos administrativo e financeiro, conforme expressamente previsto no art. 99 da CF [Constituição Federal]” (CONTI, 2006, p. 28).

            Segundo a Constituição Federal Brasileira, são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (BRASIL, 2015, art. 2º). O Capítulo III e IV da carta magna tratam especificamente do Poder Judiciário e das funções essenciais da Justiça: inicia com o art. 92 e segue até o art. 135. O Capitulo III tem como título Do Poder Judiciário (art. 92º ao 126º) e o capítulo IV tem como título Das funções essenciais à justiça (art. 127º ao 135º). O art. 92 que dá início ao tema dispõe sobre os órgãos do Judiciário, sendo eles:

 

É de se observar que a Constituição Federal estabelece, no seu art. 125, os princípios norteadores da Justiça no âmbito estadual, deixando, no entanto, para as Constituições e leis estaduais a organização e fixação pormenorizada de competências (MENDES, 2005, p. 14).

 

            O Capítulo IV trata do Ministério Público, da Advocacia Geral da União e da Advocacia e Defensoria Pública.

            Após a promulgação da Constituição de 1988, duas emendas foram propostas e representam uma tentativa de reforma do Poder Judiciário. A Emenda Constitucional (EC) n. 45 de 2004 e a PEC n. 358 de 2005. A primeira foi aprovada e em relação a segunda não passou ainda de uma Proposta de Emenda Constitucional. A última ação legislativa da PEC 358, conforme informações no site da Câmara dos Deputados (acesso em nov. de 2017) consta como data da última reunião de discussão deliberativa em plenário a data 03/03/2010. Após essa data, vários requerimentos foram apresentados requerendo a inclusão na “Ordem do Dia do Plenário” de PEC 358 e nada mais além.

 

Referências

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 48. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.

CONTI, José Maurício. A origem do Poder Judiciário e o princípio da separação dos poderes. In: ____. A Autonomia Financeira do Poder Judiciário. São Paulo: MP Editora, 2006, p. 15-38.

DEL VECCHIO, Giorgio. História da Filosofia do Direito. Belo Horizonte, Ed. Líder, 2006.

DONATO, Verônica Chaves C. O Poder Judiciário no Brasil: estrutura, críticas e controle. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional). Programa de Pós-Graduação em Direito. Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Fortaleza, 2006.

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Competência cível da Justiça Federal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

____. O Poder Judiciário no Brasil. Colóquio Administración de justicia em Iberoamérica y sistemas judiciales comparados. Universidad Nacional Autónoma de México e Suprema Corte de Justicia de la Nación. Cidade do México, outubro de 2005.