Budismo

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em: mai. 2020
atualizado em: abr. 2021

 

            O Budismo tem origem com Siddhārtha Gautama, que nasceu por volta de 563 a. C. e pertencia a etnia “dos arianos, povo de origem indo-europeia que invadiu o norte da Índia e escravizou os hindus nativos, de pele mais escura” (CHAMAS, 2015, p. 106). Siddhārtha Gautama ficou conhecido como Buda (ou Buddha, como sugere Gouveia, 2016) que significa em sânscrito “o desperto” ou “o iluminado”. Ele também era chamado por seus discípulos de Bhagava (o abençoado) e de “Shakyamuni [Śākyamuni] (o iluminado do clã Shakya), uma vez que nasceu no clã Shakya, que dominava a porção do território indiano postado na borda meridional nepalesa” (DINIZ, 2010, p. 93).

            Antes de se tornar o Buda, Siddhārtha tinha uma vida de luxo, pois era um príncipe do clã Shakya. Esta vida de luxo sofreria uma reviravolta quando Siddhārtha, ao tomar conhecimento da realidade do mundo, se deu conta de todo o sofrimento que nele havia. Siddhārtha deixou seu palácio e após um longo processo de busca da verdade “alcançou o estado de Buda, mais conhecido como Iluminação (em japonês, satori), ‘o despertar da consciência’. Viveu até os oitenta anos, e sua morte é conhecida como nirvana, que é ‘a libertação da samsara’, a Roda da Vida” (CHAMAS, 2015, p. 106 – grifos do autor).

            Samsāra representa um movimento ou fluxo contínuo e refere-se ao ciclo que vai do nascimento até a velhice, decrepitude, morte e refere-se também aos ciclos reencarnatórios (neste caso, temos o fluxo incessante de renascimentos através dos mundos). Todos os seres no universo participam deste movimento do qual só se pode escapar através da iluminação.

            Foi sentado sob uma grande árvore – que ficou conhecida como a árvore Bodhi (que também significa despertar) –, e após um longo processo de busca de respostas para suas indagações que Siddhārtha atingiu a iluminação.

Já em estado desperto, o agora Buda se questionou sobre a possibilidade de transmissão daquilo que havia conseguido realizar, ou entender, não por que não quisesse compartilhar o que agora sabia, mas por ter percebido que a iluminação estava além das palavras, além dos conceitos, e que seria muito difícil transmitir tal sabedoria de uma forma compreensível. Todavia, depois de ter sido solicitado a ensinar por várias vezes, ele finalmente decidiu que o faria (GOUVEIA, 2016, p. 51).

Disponível em: Super Interessante. Acesso em 29 mai. 2020.

Escolas Budistas

            Após a morte de Buda os membros da comunidade budista decidiram realizar concílios, tanto com o intuito de redigir um cânone da doutrina quanto de recitar as palavras do Buda. Foram realizados três concílios: o primeiro ocorreu pouco após a morte de Buda ainda no século V (543-542 a.E.C. – antes da era comum) e neste concílio “as transmissões teriam sido orais, e não passadas de uma forma escrita” (GOUVEIA, 2016, p. 76); em 383 a.E.C. ocorreu o segundo concílio; e aconteceu ainda um terceiro concílio, cerca de trezentos ou quatrocentos anos após a morte de Buda.

            Como os ensinamentos de Buda atingiram milhares de pessoas, era natural que houvesse vários tipos de interpretação ou visões de seus discursos.

[...] é importante enfatizar que, como é sabido, o budismo e a filosofia que dele surgiu são extremamente ricos e variados; existem muitos “budismos” e muitas “filosofias”, e, por mais que, nesta narrativa, haja uma tentativa de se falar de forma mais abrangente sobre esse tipo de pensamento filosófico, cada escola budista, cada ramificação dessas escolas e mesmo cada filósofo trazem contributos muito singulares e que frequentemente entram em conflito uns com os outros, como parece natural acontecer nos mais variados campos de conhecimento humano (GOUVEIA, 2016, p. 14-15).

            Duas das principais escolas que surgiram foram a escola Theravāda (em sânscrito: स्थविरवाद; em pāli: थेरवाद) e a Mahāyāna (em sânscrito: महायान). A escola Mahāyāna (caminho para muitos) passou a ser chamada de escola do grande veículo ou veículo do grande caminho e à escola Theravāda (doutrina dos anciãos ou ensino dos sábios), que foi a primeira comunidade e congregou os ascetas do tempo de Buda. A esta escola foi atribuído o epíteto de Hinayana ou escola do pequeno veículo ou veículo do pequeno caminho, mas essa atribuição parece ser uma forma pejorativa de se referir à escola Theravāda pois, Hinayana significa pequeno como sinônimo de desprezível e inferior, utilizado para desmoralizar outras vertentes diferentes do Mahāyāna.

            Em relação aos ensinamentos de Buda basicamente não existe diferença entre estas duas escolas. Ambas aceitam Buda como mestre, o ensinamento das quatro nobres verdades e o Caminho Óctuplo de libertação do sofrimento. A principal diferença entre a escola Theravāda e a Mahāyāna é que a primeira se destina aos monges e monjas, ao passo que na escola Mahāyāna não só monges, mas também os leigos, podem atingir o Nirvana (estado de bem aventurança de quem alcançou a iluminação).

            A escola Mahayana surgiu a partir “da diferença de interpretação acerca das regras monásticas contidas no Vinaya (conjunto de regras seguidas pelos monges budistas) e do papel dos leigos dentro da comunidade budista” (PLÁ, 2012, p. 18). Esta escola se separou dos theravadins por volta de 240 a.C. a partir do movimento conhecido como mahāsāmghika e se espalhou pela Índia, China, Tibete e Japão. Os praticantes leigos passaram a ser valorizados e não apenas os monges e a iluminação estaria reservada a todos. Na escola Mahayana a prática mais conhecida é a do Zen Budismo e o ZaZen (zen sentado). Faz parte desta a escola Madhyamaka ou Escola do Caminho do Meio fundada pelo filósofo indiano Nagarjuna, que viveu no século dois da nossa era.

            Temos ainda uma terceira escola, a Vajrayana ou o caminho do diamante (Vajra), também conhecida como Budismo Tibetano, que surgiu entre os séculos II e IV da era cristã e se divide por sua vez em quatro ramificações: Nyingma (antigo), Kagyupa, Sakya e Gelug. Cada uma destas ramificações pode ter variações na forma de instrução e, consequentemente, na prática da meditação. É assim chamado (Vajra) “porque o diamante é o único elemento na terra que tem a capacidade de cortar tudo. Indica que o diamante é capaz de cortar a raiz dos mais íntimos, os mais secretos de nossos obscurecimentos” (SOUZA, 2012, p. 15). Essa escola foi fundada por Padmasambava, considerado como o Buda do Tibete.

            O Budismo se tornou dominante na Índia por quase toda a totalidade do primeiro milênio da nossa era. Hoje, no entanto, se encontra muito mais disseminado em outros países como Sri Lanka, Tibet, Butão, Mianmar, Tailândia, Laos e Camboja. No quadro abaixo temos uma ideia dos países com maior número de budistas.

os dados são do final do século passado

(adaptado de RUSSELL, 1997 apud DINIZ, 2010, p. 92)

 

            Ao fazer uma análise comparativa em relação à outras religiões, Diniz (2010) destaca que o Budismo se diferencia do Hinduísmo e do Judaísmo, por exemplo, porque tem origem em um fundador, o Buda, todavia, “ao contrário do Cristianismo e do Islã, esse fundador não representou uma encarnação divina ou um mensageiro divino, mas, ao contrário, foi um ser humano que expôs uma disciplina mental, desenvolvida e posta em prática com êxito por ele próprio” (DINIZ, 2010, p. 89).

 

Os Escritos

            Buda não deixou nada escrito. Os seus discursos, chamados de Sūtras, foram escritos e organizados por seus alunos a partir dos ensinamentos orais que receberam de seu mestre e são considerados os textos base de toda a filosofia budista. Além dos Sūtras temos os shastras, que constituem de comentários dos Sūtras.

            De modo geral, o cânon budista é organizado em torno do chamado Tripitaka (em sânscrito – ou tipitaka, em páli) ou O Triplo Cesto de Flores. “Compõem o Tripitaka textos sobre a doutrina (Sutra Pitaka), a disciplina monástica (Vinaya Pitaka), bem como aqueles de caráter filosófico e psicológico (Abhidharma Pitaka)” (DINIZ, 2010, p. 95). Beluzzi (2015, p. 97) chama o Abhidharma de textos de “interpretações escolásticas sobre a filosofia”.

 

Manuscrito Tibetano

(1671 a. E.C. – antes da era comum)

Segundo Gouveia (2016, p. 11):

“A compilação dos ensinamentos proferidos por Buda, em sua versão tibetana, é chamada de Kangyur (t. bka’ ‘gyur) e contém mais de 70.000 páginas, divididas em cerca de 108/111 volumes, no formato longitudinal de pecha (t. dpe cha)”.

 

Ensinamentos

            O Budismo se baseia em quatro grandes verdades ou quatro verdades nobres. Estas verdades se referem de modo direto a questão do sofrimento, suas causas, objetivos e de como se libertar do sofrimento.

A primeira verdade é aquela sobre a dor (em sânscrito, duhkha; em páli, dukkha), segundo a qual toda existência é insatisfatória e cheia de sofrimento. A segunda verdade é aquela sobre a origem da dor (em sânscrito e páli, samudaya), segundo a qual a causa direta é o ato, o Karma, causado por sua vez pela sede, pela apetência insaciável, que pode ter por objeto o prazer, a existência ou a não - existência [...] A terceira verdade é aquela sobre a supressão ou cessação da dor (Nirodha ou Nirvana), que se encontra associada à possibilidade de pôr termo ao ciclo dos nascimentos e das mortes. A quarta verdade é aquela sobre a via (sânscrito, pratidad; páli, patipada) que conduz à supressão da dor, sistematizada pelo Buda no Caminho Óctuplo (DINIZ, 2010, p. 95)

            No que concerne à primeira verdade nobre, é preciso compreender que o sofrimento pode ser identificado de várias formas e indica o problema a ser superado: o sofrimento do nascimento, do envelhecimento, da doença, da morte. O sofrimento está, por assim dizer, por toda parte em nossa vida. De modo geral, “na maioria das tradições budistas se fala em três tipos de sofrimento: sofrimento sobre sofrimento (s. dukhedukhatā), sofrimento da mudança (s. vipariṇāmaduḥkhatā) e sofrimento onipresente (s. saṁskāraduḥkhatā)” (GOUVEIA, 2016, p. 87).

          O primeiro tipo (dukhedukhatā) se refere às experiências que incluem a tristeza, dores físicas, preocupações, ansiedades, como por exemplo: “a irritação que podemos sentir ao ficarmos presos em um congestionamento, quando alguém nos diz algo desagradável” (GOUVEIA, 2016, p. 90). O segundo tipo (vipariṇāmaduḥkhatā) é provocado por alterações nem sempre percebidas de forma imediata como no caso do sofrimento sobre sofrimento. O sofrimento da mudança “pode, por exemplo, começar como uma forma de felicidade que, com o passar do tempo, se transforma em sofrimento” (GOUVEIA, 2016, p. 91). Como nós vivemos em uma realidade extremamente dinâmica, toda e qualquer situação sempre irá se transformar, por isso, mesmo quando algo é percebido como prazeroso ele pode, em um dado instante, se transformar em fonte de sofrimento. Como por exemplo, o fato de passarmos a vida juntando dinheiro, esperando naturalmente uma boa vida (e isso é tido como algo positivo), mas perdemos a saúde por causa das intensas atividades que realizamos sem nos darmos contas de que tais atividades foram prejudiciais à saúde do corpo físico, como alertou o Dalai Lama ao dizer que os homens perdem a saúde para juntar dinheiro e depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. Finalmente o terceiro tipo (saṁskāraduḥkhatā) é o mais difícil de ser detectado, estando ligado ao condicionamento, quer dizer, ligado a forma condicionada que temos de perceber nossa existência. A existência humana é um processo contínuo de condicionamentos e, por isso, esse tipo de sofrimento é conhecido como omnipresente, ou seja, que tudo permeia. Tais condicionamentos estão na raiz do nosso sofrimento, sobretudo a forma condicionada que temos de perceber a realidade como “eu”.

            A segunda verdade nobre se refere as causas ou origem do sofrimento. Tradicionalmente se fala em três fontes de sofrimento, chamadas de os três venenos: a ignorância (ou ilusão), o desejo (ou apego) e a aversão (ou raiva).

            A ignorância é a maior fonte de sofrimento pois dela resulta os outros dois. A ignorância como falta de conhecimento da nossa verdadeira natureza e também da natureza dos fenômenos, como percepção errônea da realidade (ilusão). Da ignorância resulta o desejo e a aversão.

            O desejo é agente de sofrimento, sobretudo o desejo que se manifesta como consequência da ignorância da verdadeira natureza das coisas, da realidade, do ser. O falso conhecimento da natureza dos fenômenos e da realidade leva à ignorância e, por consequência, ao desejo que causa sofrimento, proveniente de um estado de insatisfação, como vontade de algo que não temos, quando somos privados de algo ou alguém. Sobre o desejo como fonte de sofrimento Gouveia (2016, p. 98) destaca que são três os tipos de desejos de acordo com algumas escolas budistas: o desejo de prazer, o desejo de ser e o desejo de não ser. O primeiro se refere aos desejos de anseio por riqueza e poder, por exemplo, mas principalmente aos desejos que obtemos pelos sentidos: “como o desejo de ter experiências de prazer através dos sabores, das sensações táteis, dos odores, dos sons, da visão” (id., ibidem, p. 98). O segundo tipo se refere ao desejo de dar continuidade à existência, ou seja, a tendência a pensar na vida como algo eterno e aspirar à imortalidade. Já o terceiro tipo de desejo

seria uma espécie de “lado sombrio” do desejo, e vem da crença de que, no processo de morte, tudo se extingue. Em termos cotidianos, ele se manifestaria através de um impulso excessivo de negar e rejeitar fervorosamente tudo aquilo que é indesejável. Este desejo de destruição seria revelado através de um comportamento raivoso, de aversão por tudo o que nos desagrada, de autonegação, em que não se consegue ter qualquer tipo de “interesse pela vida”, o que pode levar até mesmo ao suicídio (GOUVEIA, 2016, p. 98-99).

            A origem do sofrimento está associada também ao carma que é a lei de causa e efeito. Por isso, certos tipos de ação devem ser evitadas, pois cada uma de nossas ações produz um efeito: que será negativo se o fator de impulso da ação for negativo, como por exemplo, ferir um ser vivo, seja ele humano ou animal; ou positivo, se o fator de impulso da ação for positivo, como por exemplo, cuidar de um ser vivo ferido que encontramos na rua. Toda existência está inevitavelmente ligada ao carma. Quando este carma é negativo ele dá origem a uma nova experiência de vida através da reencarnação, ou seja, o ser reencarna porque tem marcas negativas. Quando o nosso ser deixa de ter um carma negativo ele entra em um estado de bem aventurança chamado Nirvana e não há mais a necessidade de reencarnar.

            Atingido o Nirvana, o ser se liberta de Samsāra, a roda (ciclos) da vida. Apenas a iluminação quebra este ciclo.

A Roda remete ao universo cíclico agrícola, com que estamos familiarizados. No universo da terra fértil tudo é circular, pois as estações condicionam a vida social e espiritual. O período de monções, por exemplo, traz a possibilidade de farta produção agrícola, que, por sua vez, determina celebrações sociais e religiosas como casamentos, ritos de iniciação e festivais. O período invernal, traz introspecção e recolhimento espiritual, com equivalente redução das celebrações; já o verão, apesar de torrencialmente quente, traz a esperança das chuvas e, assim, muita alegria na vida cotidiana. Essa vida cotidiana, simbolicamente apresentada na Roda da Vida (também conhecida como a Roda da Existência, Roda do Devir e do Vir-a-Ser), foi criada pela extinta escola Sarvastivada, precursora do Budismo Mahayana (ANDRADE; APOLLONI, 2010, p. 74-75).

 

 

Roda do Samsāra

ou Roda da Vida

 

É um símbolo da tradição budista que retrata os ciclos da vida

(relacionados com o carma).

 

Disponível em: Wikipedia. Samsara.

Acesso em 29 mai. 2020.

 

            Na Roda da Vida temos o centro da roda, uma divisão em seis partes e também doze elos.

         No centro estão a imagem do galo, cobra e porco, conhecidos como os “três venenos”. Na metade superior estão os “três nascimentos afortunados” (deuses, deuses ciumentos e humanos) e na metade debaixo os “três nascimentos desafortunados” (fantasmas famintos, animais e infernos). São os três venenos que geram os seis reinos.

No topo da cartografia budista fica o domínio dos deuses (devas), a forma mais alta de existência [...] Os que nascem no domínio que vem logo abaixo são os “deuses ciumentos” (asuras), que invejam o bom karma dos devas. Movidos pelo ciúme, os asuras travam batalhas constantes com os devas pelo fruto da “árvore realizadora de desejos”, que tem suas raízes nos domínios dos asuras e os frutos no domínio dos devas, numa analogia as consequências do karma positivo dentro do Samsara (GODOI, 2010, p. 24).

            Na última representação dos nascimentos afortunados temos o domínio do humano. É o reino que conhecemos e no qual devemos desenvolver a sabedoria e a compaixão que são necessárias para atingir a libertação.

          Nos nascimentos desafortunados temos o domínio dos fantasmas famintos, que sofrem de fome e sede sem limites e sem fim, onde predomina a carência incessante. Em seguida o domínio dos animais, guiados por instintos cegos, se limitando a satisfação das necessidades básicas de comer e procriar. E no ponto mais baixo temos o inferno, dividido em sete partes.

          Já os elos, em total de doze, criam o movimento e as dependências dos seres aos domínios de Samsara. Nos elos estão representados (GODOI, 2010, p. 22-23): uma velha mulher cega, andando com uma bengala (representando a ignorância); um oleiro que cria diferentes formas de vasos (representando a vontade ou nossos impulsos cármicos); um macaco que pula de galho em galho (representando a consciência); um barco com quatro pessoas (representando além da consciência os sentimentos, percepções e disposições mentais); uma casa vazia com seis janelas (representando os cinco sentidos físicos mais a mente); um casal se abraçando (representando a relação estreita entre os cinco sentidos e a mente); um homem ferido por uma flecha no olho (representando a sensação); um homem tomando bebida alcoólica (representando o desejo); um homem ou um macaco agarrando uma fruta em uma árvore (representando o apego); uma mulher grávida (representando a existência); uma mulher dando à luz (representando o nascimento); um homem levando um fardo (ou cadáver) para o cemitério (representando a velhice e a morte).

 

            A terceira verdade nobre ressalta que as causas do sofrimento podem ser eliminadas. Para cessar o sofrimento precisamos mudar a forma de lidar com ele. Ao sentir raiva ou desejo, por exemplo, não devemos simplesmente nos deixar levar por esta sensação ou nos agarrarmos a ele. É importante aprender a saber observar a emoção ou o desejo que toma conta de nossa mente. Ao desenvolver essa capacidade de observar aprendemos que a raiva, o desejo ou qualquer outra emoção são como as nuvens do céu, que se transformam constantemente, mudam de forma, se dissolvem.

            Ser um observador de si mesmo significa deixar que as emoções, sentimentos e desejos surjam e desapareçam, sem nos apegarmos a eles. A raiva ou o desejo irão durar tanto mais quanto nos apegarmos a esta emoção e tanto menos quanto nos apegarmos a ela. Isto não significar dizer que iremos deixar de sentir raiva ou desejo. Iremos senti-los, mas em maior ou menor grau e por um tempo menor ou mais duradouro, de acordo com nossa disposição mental.

            A quarta verdade nobre nos ensina por meio de quais métodos podemos alcançar a libertação definitiva do sofrimento, chamado de O Caminho Óctuplo. Este caminho é assim chamado porque é composto por oito passos corretos (ou samma), mas que não tem em si uma ordem específica, ou seja, não significa que devem ser seguidos um antes do outro. São eles: “compreensão correta; pensamento correto; fala correta; ação correta; existência correta; esforço correto; atenção correta; e concentração correta” (DINIZ, 2010, p. 95-96).

            O Caminho Óctuplo ou o caminho espiritual para se libertar do sofrimento e do carma negativo pode ser organizado em três blocos. Sabedoria (que inclui a compreensão e o pensamento corretos), a moralidade (fala, ação e existência corretas) e a meditação (esforço, atenção e concentração).

            A compreensão correta ou visão correta nos dá clareza e discernimento para identificar o que deve e o que não deve ser feito. O pensamento correto nos ajuda a desenvolver uma disciplina mental para nos dedicarmos ao caminho da iluminação, nos afastando de pensamentos errôneos.

            A fala, ação e existência (corretas) são aspectos da disciplina moral e, por isso, podemos dizer que a ética tem um papel fundamental no processo de libertação do sofrimento. O que falamos e como falamos pode ter uma consequência positiva ou negativa com quem falamos, da mesma forma como o agir. Já a existência está ligada a um modo de vida correto, ou seja, evitar qualquer ocupação que possa causar mal aos outros.

         Por fim, o Budismo ressalta o valor da meditação como instrumento para se libertar de samsara (os ciclos reencarnatórios), que envolve esforço, atenção e concentração. O esforço correto está relacionado com o empenho que utilizamos para praticar a meditação. Dirigindo nossa atenção para os estados mentais e corporais: aquilo que se passa na mente e as sensações que temos. E através da concentração e da meditação busca-se desenvolver níveis mais elevados de concentração mental. “O budista, ao meditar, quer acalmar a mente para atingir a bem-aventurança da mente búdica, dedicando-se apenas à busca da felicidade, livrando-se das dores e dos sofrimentos” (LIBÓRIO, 2016, p. 472), e atingir o Nirvana. Ao desenvolver nossa capacidade de observar nossos comportamentos, pensamentos e sentimentos, através da atenção, da concentração e da meditação, passamos a entender porque agimos, pensamos e sentimos de tal forma em um verdadeiro trabalho de autoconhecimento, tão necessários ao caminho de autotranscedência e iluminação.

           

Buda e bodhisattvas

sentados em flór de lótus

            Por isso Buda e os bodhisattvas (ser iluminado) são geralmente representados em forma de meditação e sobre uma flor de lótus que simboliza a pureza imaculada e a perfeição da sabedoria, pois, ainda que esta flor nasça em um lamaçal, mantém-se incontaminada pelo lodo. Lótus é o símbolo da expansão espiritual, do sagrado, do puro. A imagem da flor de lótus simboliza elevação espiritual.

            O conhecimento das quatro nobres verdades forma, como ressalta Ferreira (2015, p. 13-14), o caminho para iniciar uma jornada de transformação interior e crescimento espiritual. Compreendemos a dor como um estágio necessário da existência (toda vida inclui sofrimento), que nada ocorre por acaso (o sofrimento tem, portanto, uma origem) e que existe um caminho para a libertação do sofrimento. Nessa jornada, aos poucos nos habituando a lidar com a origem dos nossos sofrimentos até que, com a prática, finalmente possamos atingir o nirvāṇa, que é a extinção do sofrimento, o desaparecimento das condições que originam o sofrimento. São extintos e desaparecem os três venenos da mente que causam o sofrimento: a ignorância (ou ilusão), o desejo (ou apego) e a aversão (ou raiva).

 

A Ética Budista

            Ao ressaltar a possibilidade de libertação do sofrimento da vida através do Caminho Óctuplo, o Budismo nos apresenta uma filosofia de vida permeada de preceitos e princípios éticos e morais. Uma ética que enfatiza o valor da ação e, mais especificamente, da intenção com a qual uma ação é praticada. Quando uma ação é motivada por sentimentos de apego ou ódio, por exemplo, constituem ações carmicamente negativas. Por outro lado, “intenções caracterizadas como não-apego, benevolência e entendimento são comportamentos construtivos, não apenas porque beneficiam outrem, mas também porque seus efeitos futuros serão positivos para o autor” (ZUNINO, 2017, p. 146-147).

            Gouveia (2016, p. 103-107) ressalta como sendo vinte e seis emoções negativas (seis de base e vinte subsidiárias) e destas emoções podemos perceber claramente a relação com a ética budista, sendo elas: o apego, a raiva, o orgulho, a ignorância, crenças/visões errôneas, dúvida; ira/fúria, rancor, animosidade, hostilidade, ciúme, desonestidade, pretensão, falta de vergonha, desconsideração, dissimulação, avareza, autoadmiração, falta de interesse, preguiça, falta de cuidado, esquecimento, não estar alerta, letargia, excitação, distração.

A importância de falarmos sobre todas essas “classificações” de emoções e suas sutilezas, como é o caso das seis emoções negativas de base e das vinte emoções negativas subsidiárias [...] percebemos que todas essas emoções negativas servem como solo para a proliferação do sofrimento (GOUVEIA, 2016, p. 107).

            Libório (2016, p. 475) destaca como sendo dez os preceitos fundamentais da ética budista da escola Theravada:

 

1. Abster-se de destruir a vida;

2. Abster-se de furtar – ou mais exatamente: abster-se de tomar alguma coisa que não foi dada;

3. Abster-se de fornicação e toda forma de impureza;

4. Abster-se de mentir;

5. Abster-se de licor fermentado, de álcool e de toda bebida forte;

6. Abster-se de comer num horário proibido (de tarde);

7. Abster-se de dançar, de cantar e de qualquer espetáculo;

8. Abster-se de enfeitar e embelezar o corpo, usando grinaldas, perfumes ou unguentos;

9. Abster-se de usar um leito ou poltrona muito alta e espaçosa;

10. Abster-se de receber ouro e prata.

 

Budismo Engajado

            São assim chamados os adeptos do budismo dispostos a contribuir para a solução de diferentes problemas da realidade, desde a questão ecológica, a questão dos direitos humanos, da justiça social e da paz.

            Essa vertente do budismo surgiu no ocidente e se caracteriza pelo engajamento político e social, representado por pessoas que não nasceram budistas, mas que seguem o budismo por opção pessoal.

 

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Joachim; APOLLONI, RodrigoWolff. Dos Ciclos da Natureza à Roda de Samsara: a Geografia na Raiz do Budismo. INTERAÇÕES - Cultura e Comunidade, Uberlândia, v. 5, n. 8, p. 63-78, jul./dez., 2010. Acesso em: 15 abr. 2021.

BELUZZI, Ethel Panitsa. Tradução de textos da filosofia oriental: Peculiaridades e Requisitos no Caso da Filosofia Budista. RÓNAI – Revista de Estudos Clássicos e Tradutórios, v. 3, n. 2, p. 95-107, 2015. Acesso em: 13 abr. 2020.

CHAMAS. Fernando Carlos. Origens das formas budistas. ARS, v.13, n. 25, p. 105-113, jan./jun., 2015. Acesso em: 16 abr. 2020.

DALAI- LAMA. Amor, Verdade, Felicidade. Rio de Janeiro: Nova Era, 1999.

DINIZ, Alexandre M. A. Surgimento e dispersão do Budismo no mundo. Espaço e Cultura, RJ, n. 27, p. 89-105, jan./jun., 2010. Acesso em: 16 abr. 2020.

FERREIRA, Marilane Pereira L. Os olhares filosóficos orientais e ocidentais sobre a inteligência espiritual e suas possíveis convergências. Revista Pontifex: ciência, filosofia, arte e tradições sapiências, v. 1, n. 1, p. 1-19, 2015.

GODOI, Vânderson Domingues. Budismo Tibetano: a crença da vida, morte e renascimento. Monografia (Especialização em Terapia Transpessoal), Instituto Superior de Ciências da Saúde (INCISA), Pós-Graduação em Terapia Transpessoal, Salvador, 2010.

GOUVEIA, Ana Paula Martins. Introdução à Filosofia Budista. São Paulo: Paulus, 2016.

LIBÓRIO, Luiz Alencar. Budismo: Cosmologia e Espiritualidade. Paralellus, Recife, v. 7, n. 15, p. 459-481, set./dez. 2016. Acesso em: 11 mai. 2020.

PLÁ, Daniel Reis. Sobre cavalgar o vento: Contribuições da meditação budista no processo de formação do ator. Tese (Doutorado em Artes Cênicas), Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2012.

SOUZA, Carlos Henrique Amaral de. Constituição do Campo Sensível: Apegos, Renúncia, e Liberdade – Uma Contribuição da Filosofia Budista. Dissertação (Mestrado em Psicologia), Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, 2012.

ZUNINO, Pablo Enrique A. Notas sobre o budismo: história, religião e filosofia de vida. Ensaios Filosóficos, v. XV, p. 143-151, jul., 2017. Acesso em: 11 mai. 2020.

 

 

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