Políticas Públicas de Desenvolvimento Urbano

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em 2016

            Os problemas da vida urbana (problemas públicos) são os mais variados possíveis e vão desde déficit habitacionais até a falta de segurança, precariedade da infraestrutura e inúmeros outros.

            Os problemas da vida urbana, como todo problema público, é uma questão de Políticas Públicas e a busca para a solução de tais problemas deve mobilizar os diferentes atores sociais: poder executivo, legislativo, sindicatos, associações, partidos políticos, sociedade em geral etc.

            A questão urbana passou a ser regulamentada legalmente com a Constituição de 1988, em seus artigos 182 e 183 e pela Lei 10.257/2001, mais conhecida como Estatuto da Cidade, que estabelece normas que regulam o uso da propriedade urbana e as diretrizes gerais da política urbana tais como:

 

Art. 2º...

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

[...]

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

 

            Para que as diretrizes do Estatuto da Cidade possam ser colocadas em prática o mesmo dispõe sobre uma série de Instrumentos de Política Urbana, como planejamentos e planos nacionais estaduais e municipais: plano diretor, plano plurianual, diretrizes orçamentária e orçamento anual, planos de desenvolvimento econômico e social etc.

 

O ato de planejar é fundamental e necessário. Planejar, sob qualquer ótica que se deseje analisar, tem como fim traçar um caminho para o futuro, buscando prever possíveis dificuldades e traçar possibilidade de solucionar os problemas porventura apresentados. Desse modo, o planejamento urbano também deve ter a preocupação de perceber o espaço social nas suas dimensões econômica, política e cultural, a fim de se tornar o mais efetivo e concreto (FONSECA, 2009, p. 52).

 

            O planejamento urbano é uma ferramenta reguladora e organizadora do espaço urbano, não raro desordenado, e foi a partir da década de 70, que

 

o planejamento urbano passou a integrar os debates políticos, razão pela qual, a preocupação dos governantes centrou-se na idéia (sic) de elaboração de um plano de desenvolvimento integrado com o intuito de materializar as ações planejadas, de tal forma que toda a população pudesse usufruir de melhores condições de vida (FONSECA, 2009, p. 54)

 

            Nesse cenário o Plano Diretor surge como algo fundamental, servindo de base para todo e qualquer processo de planejamento urbano, constituindo um plano de ação para governos municipais. Um aspecto importante a ser levado em consideração é que o planejamento municipal (plano plurianual, diretrizes orçamentárias e o orçamento anual) deve incorporar as diretrizes e prioridades contidas no Plano Diretor (BRASIL, 2010, art. 40, § 1º). Além disso, a elaboração dos Planos Diretores deve ser feita com a participação da população e dos diversos segmentos da sociedade.

 

Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

[...]

§ 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;

II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;

III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos (BRASIL, 2010).

 

            Vemos assim que com o Estatuto da Cidade, a Democracia Participativa ganha força, pois

 

[...] em vários de seus dispositivos, vieram expressas as necessidades de serem conjugadas, na formulação de Políticas Públicas, a mediação entre os interesses dos diversos segmentos da sociedade. Isto se fará por meio da realização de audiências e consultas públicas, da transparência na gestão e da publicidade dos atos ali praticados. Esses elementos unidos podem favorecer a ruptura com uma tradição encontrada em grande parte dos municípios brasileiros, que são políticas de cunho paternalista, populista e clientelista (FONSECA, 2009, p. 62).

 

            É importante ressaltar que este conceito de planejamento urbano marcado pela participação popular exige a participação dos Movimentos Sociais que, bem antes do processo de redemocratização e sobretudo por ocasião da Assembleia Nacional Constituinte de 1987 que promulgou a Constituição Federal de 1988 vem desempenhando um papel fundamental para consolidação do nosso Estado Democrático de Direito.

 

Princípios da Política de Desenvolvimento Urbano

            Do ponto de vista político, a Política de Planejamento Urbano (incluindo Plano Diretor e Estatuto da Cidade) estabelece alguns princípios que devem ser observados pela gestão municipal:

 

Princípio da função social da cidade: o Estatuto da Cidade determina que “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” (art. 2º) mediante várias diretrizes que vão, desde a garantia do direito a cidades sustentáveis, ordenação e controle do uso do solo, gestão democrática, até a proteção e preservação do meio ambiente. Embora o Plano Diretor do Município de Parintins/AM não especifique o conceito de função social da cidade (e nem o próprio Estatuto da Cidade), este conceito aparece no art. 2º, § 6º, inciso V; art. 12, inciso I; e no art. 92. Lacerda [et al.], define este princípio como sendo “o exercício do direito dos cidadãos à cidade, consubstanciado no acesso a moradia digna, infra-estruturas, equipamentos e serviços públicos necessários e suficientes à melhoria da qualidade de vida urbana, bem como ao patrimônio ambiental e cultural do município” (2005, p. 60).

Princípio da função social da propriedade: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas” (BRASIL, 2010, art. 39º). O princípio da função social da propriedade é previsto no art. 2º, § 3º, inciso II do Plano Diretor do Município de Parintins/AM. Lacerda [et al.] definem este princípio a partir da “subordinação de interesses privados do titular da propriedade urbana aos interesses públicos e sociais constitucionalmente relevantes [...] bem como a não-retenção especulativa de imóveis que resulte na sua não-utilização ou subutilização” (2005, p. 60).

Princípio da gestão democrática: “por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (BRASIL, 2010, art. 39º, inciso II). O capítulo IV do Estatuto da Cidade é todo dedicado ao princípio da gestão democrática da cidade, embora seja um capítulo bem curto, que vai do artigo 43 ao 45. O Plano Diretor de Parintins/AM destaca este princípio no Título V, entre os artigos 83 e 85. Portanto, os processos de ordenamento territorial e planejamento urbano municipal deve ser elaborado com a participação da sociedade civil em geral, obedecendo o preceito da Democracia Participativa que considera a participação direta da sociedade na formulação de Políticas Públicas e nos atos da Administração Pública.

Princípio da sustentabilidade ambiental: como vimos, a política urbana tem como uma de suas diretrizes a garantia do direito a cidades sustentáveis “entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 2010, art. 2º, inciso I). E mais adiante no mesmo artigo, inciso VIII, que determina a “adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do município e do território sob sua área de influência”. No Plano Diretor de Parintins/AM o princípio da sustentabilidade aparece no art. 2º, § 5º, inciso III; art. 22º, § 2º, alínea “f”; art. 60, inciso VI; art. 66; e o art. 70. Vale destacar neste caso o art. 66, que prevê a elaboração de um Plano de Integração Regional que, segundo o Plano Diretor, constitui “o instrumento para promoção do desenvolvimento sustentável de Parintins”, sendo que o referido Plano deve definir “as formas de participação de agentes econômicos e de instituições locais para o desenvolvimento sustentável regional” (art. 66, inciso IV). Lacerda [et al.], definem a sustentabilidade ambiental como sendo a busca pelo “equilíbrio entre o desenvolvimento urbano e a preservação/conservação do meio ambiente, com o controle das ações humanas, para que não prejudiquem os ecossistemas e, conseqüentemente [sic], a vida humana” (2005, p. 61).

 

            No que diz respeito aos princípios da função social da Cidade e da propriedade urbana, convém ressaltar que o art. 182 da Constituição Federal (BRASIL, 2015) elege tais princípios como o principal objetivo da política urbana e estabelece o Plano Diretor como o principal instrumento dessa política de desenvolvimento. E que

 

As mudanças na legislação configuraram-se numa evolução que vai de uma visão civilista, unilateral, de atribuição jurídica de um bem a uma pessoa, ao conceito de função social da propriedade urbana, que excepciona a individualização daquele poder pessoal sobre o bem [...] Os instrumentos urbanísticos [...] viabilizam o exercício da função social da propriedade privada e instrumentalizam o direito constitucional dos cidadãos à cidade. (LACERDA, et al., 2005, pp. 69-70).

 

NOTA

Convém ressaltar igualmente que o direito à propriedade é um direito constitucional fundamental, garantido pelo art 5º da carta magna, em seu inciso XII. Veja em nosso website o texto: Direitos Fundamentais.

 

Referências Bibliográficas

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 48. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.

BRASIL. Ministério das Cidades. Resolução Normativa Nº 14, de 06 de junho de 2012. Aprova o Regimento da 5ª Conferência Nacional das Cidades.

____. Estatuto das Cidades: Lei 10.257 de 10 de julho de 2001. 3. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010.

FONSECA, Jumária Fernandes Ribeiro. O Orçamento Participativo e a Gestão Democrática de Goiânia. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Planejamento Territorial). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Planejamento Territorial da Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2009.

LACERDA, Norma [et al.]. Planos Diretores Municipais: aspectos legais e conceituais. R. B. de Estudos Urbanos e Regionais, v. 7, n. 1, maio/2005, pp. 55-72.

PARINTINS. Lei 375, de 06 de outubro de 2006: Plano Diretor do Município de Parintins. Parintins: Câmara Municipal de Parintins, 2006.

Assista aos nossos vídeos sobre Políticas Públicas e Gestão Democrática

Veja Também:

 

1. Plano Nacional de Viação (Lei 5.917/73).

 

2. O Livro Fronteiras de Saberes traz algumas discussões sobre dinâmicas e ordenamentos territoriais em cidades na Amazônia nos capítulos 4 e 8, respectivamente:

Dinámicas territoriales de las ciudades amazónicas: elementos teóricos para su comprensión;

Cidades na Amazônia e sistemas locais territoriais: novas mediações urbanas e ordenamento territorial.

O livro está disponível para download através do link:

Fronteiras de Saberes.

 

3. O Livro Amazônia: chaves múltiplas para a interpretação da realidade traz algumas discussões sobre espaços e ocupações urbanas e exclusão social nos capítulos 1, 11 e 8 respectivamente:

Sobre a produção social do espaço urbano;

Ocupações urbanas: a produção das moradias populares em Manaus;

Exclusão social e indiferença dos coletivos: a Parintins dos sem-teto.

O livro está disponível para download através do link:

Amazônia: chaves múltiplas para a interpretação da realidade.

 

4. O Livro Fazendo Antropologia no Alto Solimões, vol. 14 traz uma discussão no capítulo 2 sobre o fenômeno urbano na cidade de Manaus:

Veredas constitutivas do fenômeno urbano em Manaus: Gentrificação ou Embelezamento?

O livro está disponível para download através do link:

Fazendo Antropologia no Alto Solimões, vol. 14