Estatuto da Cidade

            A necessidade de se planejar a vida em sociedade e de construir uma política de desenvolvimento urbano que possa dar conta dos diferentes problemas que atingem a sociedade como: expansão desordenada das cidades, vazios urbanos, formação de preços e especulação do mercado imobiliário, déficit habitacional etc., fez surgir o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).          

As inovações trazidas por essa lei situam-se em três campos: um conjunto de novos instrumentos de natureza urbanística voltados para induzir – mais do que normatizar – as formas de uso e ocupação do solo; a ampliação das possibilidade de regularização das posses urbanas, até hoje situadas na ambígua fronteira entre o legal e o ilegal, e também uma nova estratégia de gestão que incorpora a idéia (sic) de participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade (apud FONSECA, 2009, p. 57).

            Para garantir este modelo de gestão democrática que é tratado no capítulo IV do Estatuto, são estabelecidos os seguintes instrumentos (art. 43º):

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

            O Estatuto prevê ainda a gestão orçamentária participativa que inclui: “debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela câmara municipal” (art. 44º).

Em julho de 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade, a Democracia Participativa ganhou novo alento. Isto porque [...] em vários de seus dispositivos, vieram expressas as necessidades de serem conjugadas, na formulação de Políticas Públicas, a mediação entre os interesses dos diversos segmentos da sociedade. Isto se fará por meio da realização de audiências e consultas públicas, da transparência na gestão e da publicidade dos atos ali praticados. Esses elementos unidos podem favorecer a ruptura com uma tradição encontrada em grande parte dos municípios brasileiros, que são políticas de cunho paternalista, populista e clientelista (FONSECA, 2009, p. 62).

            No que diz respeito aos novos instrumentos urbanísticos, por exemplo, o espaço público subutilizado e as áreas vazias estão sujeitas ao pagamento de IPTU progressivo no tempo e à edificação e parcelamento compulsórios, de acordo com a destinação prevista para a região pelo Plano Diretor.

            Outros instrumentos procuram lidar com a especulação imobiliária: as áreas que concentram as qualidades de uma cidade bem estruturada é destinada para os segmentos de maior renda; as áreas longínquas e que dependem da mesma infraestrutura (e que necessita de ampliação por parte do governo: pavimentação, saneamento, iluminação etc.) são destinadas aos mais pobres, ocasionando uma “máquina de exclusão territorial”.

            O Estatuto da Cidade mantém a divisão de competências entre os três níveis de governo, concentrando na esfera municipal as atribuições de legislar em matéria urbana, reafirmando os princípios básicos estabelecidos pela Constituição de 1988 e dando ênfase na gestão democrática e reafirmando a obrigatoriedade do Plano Diretor para os municípios com mais de 20 mil habitantes e considerando outros casos em que se faça necessário o Plano Diretor.

            Sem romper com o direito individual de propriedade privada o Estatuto das Cidades reconhece que a propriedade deve também ser avaliada a partir de sua “função social” e que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas” (art. 39º).

            A propriedade urbana deve ser submetida a regras legais municipais levando em consideração não apenas a questão econômica mas também social.

            O Estatuto das Cidades contém um conjunto de ideias que são bem genéricas e abstratas e que merecem toda uma análise filosófica, sociológica e política, mais do que uma discussão simplesmente técnica e operacional, de seus enunciados: função social da cidade e da propriedade, bem-estar social, direito de propriedade, sustentabilidade etc. De certo modo, essas dimensões expressam o que e o como será proposta e executada a política de planejamento.

            Sob o ângulo da dimensão política, o planejamento urbano é o objeto de uma proposta social que visa transformar a sociedade e garantir o bem-estar dos cidadãos. O espaço urbano tem sido alvo de conflitos de interesses que buscam se apropriar dos benefícios produzidos na cidade: para alguns o espaço urbano representa um bem sobre o qual se auferem lucros e rendas, para outros o espaço urbano tem sido alvo de exclusão e precarização das condições de vida e sobrevivência. Dentre as situações de conflito Ribeiro e Cardoso apontam:

- o direito à terra urbana tem sido função de várias modalidades de renda, as quais são apropriadas diferenciadamente pelos agentes sociais;

- o processo capitalista de produção imobiliária, aliado à oferta de serviços e equipamentos públicos, ocasiona valorizações diferenciadas de áreas urbanas, contribuindo para o agravamento dos processos de segregação e exclusão urbanas;

- os procedimentos adotados na contratação de obras públicas atendem, em geral, aos interesses de empreiteiras, e não às necessidades da população;

- os procedimentos adotados na concessão de serviços públicos têm, em geral, anteposto interesses de rentabilização do capital das concessionárias aos interesses da população usuária desses serviços; (apud CARVALHO, 2001, p. 133).

            O planejamento urbano deve levar em consideração essas situações de conflito e a grande questão operacional é: como dar conta das situações urbanas de conflito?

            Sob o ângulo da técnica é pela ação pública planejada que se buscará implantar as diretrizes e os objetivos da política urbana, tal como consta no plano diretor. Dessa forma o Plano Diretor consiste em um instrumento de administração baseado na ordenação do território e que deve regular:

- apropriação do solo, referente à ocupações de terra, usucapião, desapropriação de áreas que garantam a apropriação do solo para moradia de classes de renda mais baixa;

- parcelamento do solo, referente à integração na malha urbana, previsão de diretrizes viárias, reserva de áreas para uso público e garantia de preservação e do meio ambiente da identidade cultural e histórica da cidade;

- zoneamento, referente às normas e padrões de ocupação e utilização do solo urbano, em conformidade com atividades desenvolvidas, e previstas, controlando usos nocivos ou efeitos prejudiciais ao bem-estar da população (Lamparelli e Zan apud CARVALHO, 2001, p. 133 – grifos do autor).

            Os instrumentos de planejamento urbano são de três naturezas: técnico-científica (realização de pesquisas para coletar dados necessários ao planejamento e execução técnica), político-institucional (as várias instituições que podem ou devem colaborar na execução das ações) e econômico-financeira (recursos orçamentários disponíveis).

 

Referências Bibliográficas

BRASIL. Estatuto da CidadeLei 10.257 de 10 de julho de 2001. 3. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010.

CARVALHO, Sônia Nahas de. Estatudo da Cidade: aspectos políticos e técnicos do plano diretorSão Paulo em Perspectiva, vol. 15, nº 4, out/dez 2001, p. 130-135.

FONSECA, Jumária Fernandes Ribeiro. O Orçamento Participativo e a Gestão Democrática de Goiânia. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento

e Planejamento Territorial). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Planejamento Territorial da Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2009.