Uma análise da obra Preconceito linguístico: o que é, como se faz de Marcos Bagno
por Luana Pantoja Medeiros
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postado em mai. 2019
A linguística e a sociolinguística possibilitam ao linguista identificar a fala como um fenômeno social, “só existe língua se houver seres humanos que as falem”, é no seio da sociedade, em uma comunidade de fala que os fenômenos acontecem, as línguas existem e são faladas, faladas de várias maneiras, tendo fatores externos e internos como possíveis indicativos das variações. “[...] a sociolinguística é uma das subáreas da linguística e estuda a língua em seu uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais” (MOLLICA, 2015, p.10).
Marcos Bagno, filólogo e linguística brasileiro descreveu bem alguns fenômenos linguísticos, autor de uma das mais preciosas obras para qualquer pesquisador das línguas, O preconceito linguístico; o que é, como se faz. Dividido em 3 capítulos, logo no I capítulo A mitologia do preconceito linguístico, o filólogo pontua os mitos gerados em torno dos falantes da língua portuguesa. No II capítulo O círculo vicioso do preconceito linguístico, faz uma reflexão acerca do que foi legitimado como certo e errado. No III e último capítulo A desconstrução do preconceito linguístico, dá algumas dicas sobre como ensinar o português sem que ocorra o preconceito linguístico, um erro muito comum que ocorre nas escolas por professores da língua portuguesa, e que pode ser evitado tomando certos cuidados e evitando o que o linguista denomina como preconceito linguístico.
Nas primeiras palavras, Bagno menciona Aristóteles e sua celebre frase, “O homem é um animal político”, a fala é um ato político, e neste tom politizado o linguista define sua obra sendo um ato político. O autor toma o posicionamento político de afirmar que existe um preconceito, tão discriminatório quantos os outros, porém passa despercebido porque está arraigado na nossa cultura, é o preconceito linguístico.
Parece haver cada vez mais, nos dias de hoje, uma forte tendência a lutar contra as mais variadas formas de preconceito, a mostrar que eles não têm nenhum fundamento racional, nenhuma justificativa, e que são apenas o resultado da ignorância, da intolerância ou da manipulação ideológica. Infelizmente, porém, essa tendência não tem atingido um tipo de preconceito muito comum na sociedade brasileira: o preconceito linguístico. Muito pelo contrário, o que vemos é esse preconceito ser alimentado diariamente em programas de televisão e de rádio, em colunas de jornal e revista, em livros e manuais que pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado”, sem falar, é claro, nos instrumentos tradicionais de ensino da língua: a gramática normativa e os livros didáticos. (BAGNO, 1999, p. 13).
O preconceito mais comum na sociedade brasileira é o preconceito linguístico, esse preconceito está camuflado e é alimentado pelos veículos de comunicação e pela forma de ensinar a língua portuguesa nas escolas e nos livros didáticos. Como efeito disso, temos agravado esse mal na sociedade.
Como mito I “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Sobre esta afirmação mitológica Bagno descreve como um dos mais sérios mitos que compõem o preconceito linguístico no Brasil, e ele está tão arraigado na nossa cultura que até mesmo pessoas de renome, grandes pesquisadores intelectuais dos fenômenos brasileiros se deixam levar por ele. Sobre Darcy Ribeiro, ele menciona seu último estudo sobre o povo brasileiro, onde Ribeiro escreveu para a revista Folha de São Paulo em 05.02.95 a seguinte afirmação:
É de assinalar que, apesar de feitos pela fusão de matrizes tão diferenciadas, os brasileiros são, hoje, um dos povos mais homogêneos linguística e culturalmente e também um dos mais integrados socialmente da Terra. Falam uma mesma língua, sem dialetos.
Sobre esse grave mito, existe toda uma tradição de estudos filológicos e gramaticais que se baseou nesse “preconceito irreal da unidade da língua”. Esse mito é bastante prejudicial à educação brasileira, porque o não reconhecimento da grande diversidade do português falado no Brasil e seus fatores socioeconômicos, geográficos e culturais, de idade, de gênero e grau de escolaridade, que na linguística moderna nós chamamos de fatores externos e internos da língua, a escola tentará impor a sua norma linguística, como se ela fosse de fato a língua verdadeiramente falada por todos os brasileiros, quando na realidade não é.
Sobre a gramática normativa da escola, Bagno diz que é preciso que todas as instituições voltadas para a educação e cultura abandonem o mito de unidade do português falado no Brasil e passem a reconhecer a diversidade da linguística, pois só assim nosso país poderá planejar melhor suas políticas de ação juntamente a população marginalizada dos falantes das variações não padrão.
É importante frisar que o autor menciona, que em 1998 os Parâmetros curriculares nacionais, publicados pelo Ministério da Educação já reconheciam essa realidade linguística marcada pela diversidade da língua falada no Brasil.
A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades (BAGNO, 1999, p. 19).
Na análise dos Parâmetros curriculares, a representação da língua portuguesa ensinada na escola, nas gramáticas, e nos programas de difusão da mídia sobre o que é certo ou errado, o que se deve ou não falar e escrever, não se sustenta em uma análise empírica dos usos da língua.
Bagno menciona a obra do linguista e professor Sírio Possenti, Por que não ensinar gramática na escola. Sobre está excelente obra, Possenti aponta alguns “dinossauros linguísticos”, regras gramaticais que já caíram em desuso e que professores ainda passam muito tempo ensinando o que não faz sentido na língua falada, ao invés de fazer com que os alunos pratiquem a sua fala, para melhor se expressarem e assim melhor entenderem a língua em seu funcionamento.
Finalizando sua obra, o linguista deixa registrado seu tom revertido de posicionamento político, afirma que a escola tem se tornado um lugar em que se ensina “conhecimento mecânico”, aquele que não tem compromisso com a verdade, com o empírico, assim um instrumento de descriminação e de exclusão social.
“Saber português”, na verdade, sempre significou “saber gramática”, isto é, ser capaz de identificar — por meio de uma terminologia falha e incoerente — o “sujeito” e o “predicado” de uma frase, pouco importando o que essa frase queria dizer, os efeitos de sentido que podia provocar etc. (BAGNO, 1999, p.182).
Este tipo de ensinamento mecanizado se transforma em um saber esotérico reservado a uns poucos “iluminados”, a gramática passou a ser algo inacessível e misterioso.
A revista Veja também é mencionada neste trabalho para exemplificar os “iluminados” detentores da incrível tarefa de falar e escrever o português correto, defensores da ideia medieval de que o brasileiro não sabe falar bem português, Bagno escreve:
caberia agora a VEJA conceder igual espaço aos verdadeiros especialistas, às pessoas que dedicam toda sua energia, toda sua inteligência, toda sua vida, enfim, ao [pg. 182] estudo dos fenômenos da linguagem humana e à proposição de novos métodos de ensino, capazes de dar voz aos que, por força de tantas estruturas sociais injustas, sempre foram mantidos no silêncio. Talvez assim VEJA possa se livrar do risco de ser acusada de promover “distorções deliberadas dos fatos linguísticos e pedagógicos” (BAGNO, 1999, p.183).
Após o resumo da obra Preconceito linguístico, o que é como se faz, revertido de personalidade e posicionamento político, percebemos o trabalho magnífico do professor Marcos Bagno e sua preocupação com o que vem acontecendo com o ensino da língua portuguesa e suas graves distorções que acarretam em um sério problema para nosso país, o preconceito linguístico, um mal capaz de silenciar milhares de falantes e os por na condição de excluídos, sendo inclusive responsável por fazer o brasileiro pensar que não sabe falar seu próprio idioma.
Assim como qualquer outro tipo de preconceito, o preconceito linguístico é uma injustiça que precisa ser combatida principalmente pelo professor de língua portuguesa. Apesar do esforço reconhecido pelo Ministério da Educação ao mencionar as variações nos Parâmetros Curriculares, o que temos hoje é um modelo de escola e ensino, “aparelho ideológico” que exclui e rejeita a grande maioria dos falantes, e essa grande maioria são pessoas, que por várias razões (fatores externos e internos da língua) estão sendo marginalizados, excluídos, porém uma exclusão que provoca a vontade de grandes pesquisadores, tanto de fazer justiça a essas pessoas, como em provar que não existe unidade na língua falada no Brasil, o que já fica muito claro a partir dos estudos que já temos, incluindo esta grande obra.
REFERÊNCIAS
MOLLICA, Maria Cecília; BRAGA, Maria Luiza, (orgs). Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. São Paulo: Contextos, 2015.
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
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