Um abençoado dia
Salve, leitores!
Tenho um vizinho amigo que, toda semana, vai ao mercado, em frente ao nosso bloco, compra uma cesta básica e coloca em grande caixa da portaria do bloco. Contribui, assim, com a Campanha de Doação de Alimentos, promovida, há meses, pela "prefeitura" local. Vez ou outra, vejo-o voltando do mercado com a cesta...
Dia desses, ele disse-me que, após pegar uma cesta básica de 14 quilos, enquanto caminhava para um dos caixas, lembrou-se de comparar o preço do pacote com o de um pote de manteiga de meio quilo. Preço da cesta básica: R$ 60,00 (sessenta reais), aproximadamente. Preço da manteiga mais barata: R$ 30,00 (trinta reais). Na cesta não há manteiga, nem ao menos, margarina. Que pena!
Outro mistério que meu amigo ainda não conseguiu decifrar: o preço da cesta básica, que até hoje está afixado abaixo dos pacotes, no primeiro corredor do mercado, é de aproximadamente R$ 67,00 (sessenta e sete reais), mas há um mês, semana após semana, são-lhe cobrados sete reais a menos. E não adianta "reclamar" ao caixa: — Moço (ou moça), o preço da etiqueta é maior... A resposta, após consulta ao sistema é sempre a mesma: — O preço é esse mesmo que o senhor está pagando (R$ 60,00).
— Que mais lhe aconteceu no mercado? — indaguei-lhe.
— Quando me dirigi ao caixa, havia uma senhora com um carrinho cheio de compras à minha frente. Fiquei tranquilo, porém, pois acabara de praticar exercícios e, embora já seja idoso, segurar 14 quilos por uns cinco a dez minutos é moleza, para mim. Foi o que pensei, mas a senhora cedeu-me a vez e ainda me aconselhou: — Coloque o pacote sobre o balcão, para aliviar seus braços desse peso. Agradeci-lhe, paguei ao caixa e, na saída, enquanto ela olhava para os lados, agradeci-lhe novamente. Com a maior simplicidade, a alma bondosa respondeu-me:
— Por nada, vá com Deus!
— Uma atitude assim até merece uma crônica, meu caro Dinis. Mais alguma cousa?
— Sim. Ao sair do mercado, um vigia de carros abordou-me e falou:
— Que Deus o abençoe e que o senhor tenha um excelente dia. Dei-lhe uns trocados e segui em frente. Depois disso, amigo Jó, fui à farmácia, que fica do outro lado da rua. Ali, comprei remédio e sabão líquido. Informado do valor, dirigi-me à moça do caixa para pagar os produtos. O remédio era X e o sabão, Y. Na hora de pagar, porém, verifiquei que a jovem do caixa me cobrou X + Y + z. Como sou bom em cálculo mental, percebi o erro, mas calei-me. Na entrega dos produtos, contrariamente ao que sempre ocorre ali, quando nunca me perguntam isso, a moça indagou-me:
— O senhor quer a nota?
— Não precisa — respondi-lhe... Já havia percebido que a diferença fora pouco maior do que o aporte dado ao vigia de carros da via pública.
— Quanto? — perguntei ao Dinis.
Ele, com simplicidade, respondeu-me:
— Só o suficiente para, cada um, comprar um litro de leite e dois pãezinhos. E arrematou: Que bom será quando todos agirmos como aquela gentil senhora, que pratica o bem no cotidiano de nossa existência neste maravilhoso mundo azul.
— Por quê?
— Porque cedeu-me parte do seu tempo, e isso, para muitos de nós, é mais importante do que alguns trocados...
Quanto ao rapaz, deu-me o ensejo de aliviar-lhe um pouco a carência material. Disse, por fim.
— E a moça do caixa? — Perguntei-lhe.
— Com ela aprendi o que não se deve fazer em prejuízo do próximo, ainda que seja mínimo, pois Jesus nos ensinou que da prisão não sairemos, sem sofrimento, até que paguemos o último centavo de nossas dívidas. Isso está em Mateus, 5:25,26. Essa prisão é a da consciência culpada, que nos cobra reparação do mal feito a alguém.
— Você agiu bem — falei ao amigo Dinis —. Como disse o apóstolo Pedro, devemos ter "[...] ardente amor uns para com os outros, pois o amor cobre a multidão de pecados." (I Pedro, 4:8). Mas não seria melhor esclarecer o que houver com a moça do caixa farmacêutico? Quem sabe se não teria havido engano?... Muitas vezes, algo que nos parece prova da má-fé não passa de nosso juízo errado.
Dinis, então, concluiu com esta pérola de raciocínio:
— Jó, se houve ou não má-fé, a nota fiscal recusada poderia confirmar. Mas nada justifica que subtraiamos um centavo sequer de alguém sem seu consentimento. Se, porém, o que nos tiram é insignificante para nós, por que humilhar o nosso próximo, acusando-o, em vez de amá-lo e socorrê-lo?
Concordei com Dinis e nos despedimos fraternalmente com um abraço.
O mundo precisa do nosso auxílio material e espiritual: nos pensamentos, nas palavras, nos gestos e nos atos. Agindo assim, breve o vírus passará... o vírus do mal.
No encerramento desta crônica, lembrei-me de que, tempos atrás, eu postava um link de música para acesso de meus leitores, e esta, cantada pela bela voz do Renato Russo, vem bem a calhar aqui: Monte Castelo.
Clique, para ouvir, em: https://www.letras.mus.br/renato-russo/176305/
Paz, saúde e caridade, meus amigos!
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Sobre o Autor
Jorge Leite de Oliveira é
Consultor Legislativo aposentado da CLDF. Formação acadêmica: Bacharel em Direito (Advogado, OAB/DF 16922); grad. em Letras (UniCEUB); pós-grad. em Língua Portuguesa(CESAPE/DF) e em Literatura Brasileira (UnB); Mestre em Literatura e Doutor em Literatura pela UnB. Professor de Língua Portuguesa, Redação, Orientação de Monografia, Literatura e Pesquisas, no UniCEUB, de 1º set. 1988 a 1º jul. 2010. Palestrante, escritor, revisor e articulista espírita. Autor do Blog: <jojorgeleite.blogspot.com/>.
Autor dos livros:
1. Texto acadêmico: técnicas de redação e de pesquisa científica. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.
2. Guia prático de leitura e escrita. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
3. Chamados de Assis: espaços fantásticos do Rio mutante na obra machadiana. Curitiba, PR, 2018.
4. Da época de estudante de Letras: edição esgotada: Mirante: poesias. Brasília: Ed. do autor, 1984.
5. Texto técnico: guia de pesquisa e de redação. 3. ed. rev., ampl. e melhorada. Brasília: abcBSB, 2004 (também esgotada).
Contato:
jojorgeleite@gmail.com