A Educação no Período do Iluminismo

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em: mar. 2023

        No contexto de mudanças sociais e políticas no século da Luzes, a educação ocupou um lugar central. Se o Absolutismo Monárquico tinha sua base ideológica sustentada pela Igreja e pelo Poder Divino, os pensadores iluministas viram na educação um instrumento capaz de estabelecer uma nova ordem social. A queda do regime monárquico foi acompanhada da ascensão de uma nova classe social, a burguesia, logo, era natural que a classe burguesa em ascensão lutasse pelos seus interesses de classe incluindo aí um ideário educacional burguês.

        Filosoficamente e Pedagogicamente as Luzes da Razão deveriam se estender para todos e a educação seria o meio de fazê-lo. O ideário iluminista no século XVIII era o de uma instituição escolar pública (educação estatal), universal, laica (substituição do ensino religioso pela instrução moral e cívica), obrigatória e gratuita, embora não parecesse possuir, naquele momento, condições materiais objetivas para se concretizar. A educação, para os filósofos iluministas, era “casi como la pócima mágica llamada a terminar con los males de los que abominaban: el despotismo y la opresión, la desigualdad entre los hombres, el oscurantismo y la superstición, la falta de libertad de pensamiento y la intolerancia...” (ENGUITA, 2006, p. 9).

      O século XVIII irá fortalecer cada vez mais a ideia de uma educação pública estatal, a partir do movimento de secularização do ensino já iniciado nos séculos anteriores.

        Destaca-se ainda no contexto do iluminismo a ênfase no papel da razão como um dos elementos fundamentais da formação e emancipação humana e necessária para sua autonomia. “É, especialmente, no período da Ilustração que a razão será vinculada à promoção da autonomia. A razão do período da Ilustração visa, em sua origem, essencialmente, a emancipação do gênero humano” (KAMESU, 2009, p. 21).

       No contexto do iluminismo reivindica-se a autonomia da razão diante de toda forma de conhecimento que possa conduzir ao obscurantismo e, nesse caso, muitos filósofos iluministas não pouparam críticas às superstições e à tradição dogmática religiosa que, não raro, impediam o avanço do conhecimento científico que, em alguns casos, não estavam de acordo com a crença religiosa. Como é o caso do filósofo iluminista Denis Diderot que em sua obra Plano de Uma Universidade, desenvolve “a ideia de que o conhecimento da ciência nos liberta das trevas, das opiniões preconceituosas impostas pela igreja” (KAMESU, 2009, p. 23). A ciência, assim como a razão, não pode se submeter a nenhuma autoridade. Ela deve se submeter aos seus próprios critérios.

        O modelo religioso de explicação dogmática do mundo é substituído pela explicação baseada no conhecimento científico e racional o que explica, em parte, o processo de consolidação da laicização da sociedade europeia no século XVIII.

        Todavia, apesar de toda a confiança no poder da razão, o filósofo alemão Immanuel Kant se destacou dentre os demais filósofos iluministas por ter promovido uma investigação sistemática sobre a razão e seus limites. Sobre a possibilidade de conhecimento por meio da razão Kant se perguntava como seria possível o conhecimento científico (matemática e física) e como seria possível o conhecimento da realidade além do mundo físico, a área da filosofia chamada de metafísica. Kant investigou a possibilidade do conhecimento, do sujeito que conhece. Kant não estava com isso negando o valor ou a importância do conhecimento baseado na razão, mas considerando a necessidade de avaliar criticamente a nossa própria capacidade de conhecer. “¡Sapere aude!, ¡Atrévete a saber!, fue la divisa de la Ilustración, según Kant. Nada debía oponerse al progreso del conocimiento y ante nada debía detenerse éste” (ENGUITA, 2006, p. 8).

 

A Produção Iluminista no Campo da Educação

        Se nossa época foi influenciada pelo pensamento Iluminista no campo político e social, o mesmo pode ser dito no campo pedagógico e os principais pensadores do movimento iluminista escreveram algo sobre o tema: “Locke nos legó los Thoughts on education, Helvetius su De l’Homme, Rousseau el Emilio, Condorcet el Rapport sur l’Instruction Publique, Kant la Pädagogik, y ello sin contar los escritos menores de Voltaire, La Chalotais, Mirabeau y otros” (ENGUITA, 2006, p. 7).

       Cabe salientar que nesse período havia do ponto de vista educacional uma hegemonia religiosa tendo à frente à formação jesuítica e que pouco antes da Revolução Francesa ocorrerá a expulsão dos jesuítas de boa parte dos países europeus, como no caso da França, em 1762, o que motivou várias reformas educativas. Em 1767, Carlos III, na Espanha, ordenou a substituição do ensino promovido pela Companhia de Jesus e passou a nomear mestres e preceptores seculares.

        Era necessário substituir o modelo de formação religiosa por outro e então as obras dos philosophes ganha papel de destaque.

Para Schubring (1985), uma das mais célebres obras relativas à educação nacional francesa, publicada em 1763, é o Ensaio sobre a educação nacional, de La Chalotais (1701-1785), que defendia a necessidade de serem elaborados manuais específicos para a formação de professores. Já para Piozzi (2007, p. 719), “a contribuição mais ousada e inédita para a estruturação de um ensino público democrático surge do projeto de Denis Diderot para a instrução gratuita, aberta a todos os filhos da nação, em todos os seus graus” (GARNICA; GOMES; ANDRADE, 2013, p. 136).

        La Chalotais (1701-1785) foi procurador geral no Parlamento da Bretanha e um defensor ferrenho do ensino laico e público, como é possível perceber na sua obra Ensaio de Educação Nacional, de 1763. Nesta obra, o pensador francês reivindica uma educação que dependa apenas do Estado “porque todas as nações têm o direito inalienável e imprescindível de instruir seus membros, porque finalmente as crianças do Estado devem ser educadas pelos membros do Estado” (LA CHALOTAIS, 1763, p. 17 apud SILVA; RAFANTE, 2016, p. 358). Chalotais (1763) também enfatizava as desigualdades naturais (tal como o filósofo Jean Jacques Rousseau), sendo que através da educação seria possível influenciar os talentos da natureza: “Supor que a natureza faz tudo, que exercício e prática nada acrescentam ao talento natural, é uma conclusão prejudicial ao manter indiferentes os bons espíritos, e aumentar a frustração dos menos favorecidos” (LA CHALOTAIS, 1763, p. 5 apud SILVA; RAFANTE, 2016, p. 358).

        La Chalotais é considerado como o idealizador da escola dualista ou diferenciada, que justifica a criação de dois tipos de escolas: uma para os filhos dos trabalhadores, de caráter profissionalizante, e outra para os filhos da classe dirigente da sociedade, fundada nas artes liberais e nas ciências modernas.

       O pensador francês defendia a responsabilidade do Estado perante a educação, e ressaltava a necessidade de organizar as diversas etapas do ensino de acordo com as idades das crianças, salientando ainda a necessidade de instruir nas línguas nacionais para substituir o Latim.

        Considerado como uma das personalidades mais destacadas na área da pedagogia, Jean-Jacques Rousseau é autor de Emílio e o Contrato Social. Condenada pelo arcebispo de Paris, Emílio é a sua obra que tem como tema central a educação. Apesar de sua obra principal sobre educação ser Emilio, nós encontramos algumas ideias sobre educação pública na obra Considerações sobre o governo da Polônia, de 1772: “Rousseau pensou uma escola pública para o Estado polonês, no capítulo IV de suas Considerações Sobre o Governo da Polônia” (CALÇA, 2010, p. 14). Em sua proposta de educação pública elaborada para a Polônia encontramos a mesma ideia que o filósofo expõe no Emílio, de uma degeneração da sociedade e da espécie humana, da qual é preciso preservar tanto o personagem fictício Emílio quanto o próprio povo polonês. “Rousseau parece enxergar na Polônia um Estado cujo grau de degenerescência parece reversível. Não integralmente reversível, mas pelo menos até um estágio em que se torna possível boa parte dos princípios de legitimidade dos códigos oficias de socialidade” (CALÇA, 2010, p. 82). Rousseau deposita na Polônia a esperança de reconduzir um povo a um estado social legítimo que não seja aquele corruptor da natureza humana. O projeto pedagógico de Rousseau tinha como base sua visão naturalista: deve-se buscar antes de mais nada o homem natural, anterior a tudo quanto é social, conhecer a verdadeira natureza do homem (que a vida em sociedade oculta) para poder desenvolvê-la através da educação. Rousseau propõe então que “se empreenda em Polônia: uma reforma nos costumes, no seio do povo” (CALÇA, 2010, p. 83), uma reforma que se daria através da educação pela ação do próprio governo fomentando a virtude e o patriotismo no seio do povo.

        Outro filósofo francês que se ocupou da educação, ainda que indiretamente, foi Montesquieu (1689-1755), célebre autor da obra O Espírito das Leis. Nesta obra o filósofo afirma que o governo republicano necessita da educação.

        Uma outra publicação importante do ponto de vista pedagógico foi a Enciclopédia. Como pondera Silva (2001, p. 148): “A pedagogia iluminista guarda um alto grau de correspondência com a forma pedagógica expressa pela enciclopédia”. A Enciclopédia foi um marco do Iluminismo na divulgação do conhecimento: a divulgação das ideias e do pensamento das Luzes. A Enciclopédia é a Summa Theologica da Ilustração. Ela contém mais de setenta mil artigos em mais de 15 mil páginas em 28 volumes: “A Enciclopédia é a mídia do Iluminismo. E é através dela que o Iluminismo se consuma aos olhos dos seus consulentes todos os dias a cada nova consulta” (SILVA, 2001, p. 151). A Enciclopédia é mais do que uma mera produção do Iluminismo, ela promoveu a popularização do Iluminismo: “A Enciclopédia é o Iluminismo. O iluminismo consuma-se no disponibilizar, no abrir acesso e, nessa dimensão, no educar” (SILVA, 2001, p. 152). Em março de 1750, a Enciclopédia é incluída no Index Proibitorium da Igreja: “O Papa Clemente XII ordenou que todos os católicos que a possuíam mandassem queima-la por um padre, sobre (sic) pena de excomunhão. Era a condenação máxima para a obra” (DARNTON, op. cit., 1996, p. 22 apud SILVA, 2001, p. 155).

        Editor da Enciclopédia, Denis Diderot também foi um grande defensor da educação pública estatal e, em 1762, redigiu o Planos e estatutos dos diferentes estabelecimentos ordenados por Catarina II para a educação da juventude, a pedido de Catarina da Rússia. Se Rousseau pensou um projeto de uma educação pública voltada para a Polônia, Diderot direcionou seu projeto para a Rússia, sendo que o projeto de ambos “em muito se parecem, sobretudo pelo caráter disciplinador, moralizante e patriótico” (CALÇA, 2010, p. 65), todavia, nenhum dos dois projetos chegou a ser executado.

      O filósofo e matemático Condorcet também merece um papel de destaque no campo educacional no período do Iluminismo, pois foi ele o responsável pela elaboração em 1792 do Relatório e Projeto de Decreto sobre a organização geral da instrução pública. Este Relatório foi apresentado à Assembleia Nacional em nome do Comitê de Instrução Pública da Assembleia Legislativa Francesa.

A ideia motriz do plano que teve redação de Condorcet era a de buscar, pela arquitetura institucional de um modelo articulado de instrução pública, obter progressivamente a minimização das desigualdades produzidas pelo artifício humano, pela concomitante promoção da única desigualdade natural e, portanto, legítima: a desigualdade de talentos – dos dons, das aptidões, dos potenciais, enfim, das capacidades de cada um perante os demais (BOTO, 2003, p. 742).

        O Relatório e Projeto de Decreto sobre a organização geral da instrução pública pode ser visto como uma síntese de uma das principais obras de Condorcet, escrita em 1790, Cinco Memórias da Instrução, onde ele apresenta sua concepção filosófica a respeito da instrução pública, com ênfase na ideia de uma educação nacional, influenciado pelos pensadores enciclopedistas, especialmente por Jean-Jacques Rousseau, onde a República é entendida como um regime político governado por leis e a lei é um ato de vontade geral (saiba mais em: Condorcet e a Instrução Pública).

      Conhecido por sua crítica ao poder da razão, como já salientamos anteriormente, o filósofo alemão Immanuel Kant também se destacou no campo pedagógico. Kant foi professor e suas lições universitárias foram publicadas em 1804 por um de seus alunos com o título de Sobre Pedagogia. Para o filósofo alemão a importância da educação se deve ao fato de que somente pela educação o homem se torna homem. As disposições naturais do ser humano não se desenvolvem por si mesmas, sendo necessário então a educação. Influenciado por Jean-Jacques Rousseau, para Kant a educação deve ser física, moral e intelectual.

        Finalmente, não poderíamos falar das ideias pedagógicas no período do Iluminismo sem mencionar a figura de Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827). Outro filósofo Influenciado pelas ideias de Rousseau, teve sua primeira experiência pedagógica na cidade de Neuhof, em 1769, construindo um estabelecimento educacional para meninos pobres. Sua segunda experiência foi na cidade de Stanz, em 1798, onde cuidou da educação de mais de quatrocentos órfãos da guerra. Na cidade de Burgdorf teve mais uma experiência e representa a culminância da sua atividade pedagógica, período no qual ele escreve sua obra metodológica mais importante: Como Gertrudes instrui a seus filhos, de 1801. A última fase da sua carreira educacional se dá no Instituto de Yverdon, a partir de 1805, já próximo dos sessenta anos de idade.

 

 

Referências

BOTO, Carlota. Na Revolução Francesa, os princípios democráticos da escola pública, laica e gratuita: o relatório de Condorcet. Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 84, p. 735-762, set., 2003.

CALÇA, Robson Pereira. Duas escolas, duas expressões do Iluminismo. Rousseau e Condorcet: o futuro que o passado ousou projetar. 190f. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, 2010.

ENGUITA, Mariano F. Sociedad y educacion en el legado de la Ilustracion: credito y debito. REP - Revista Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 13, n. esp., p. 7-22, 2006.

GARNICA, Antonio Vicente Marafioti; GOMES, Maria Laura Magalhães Gomes; ANDRADE, Mirian Maria. A instrução pública na França revolucionária: considerações a partir do Essais sur l’enseignement en general et sur celui des mathématiques en particulier, de Sylvestre-François Lacroix. Hist. Educ., Porto Alegre, v. 17, n. 39, p. 129-151, jan./abr., 2013.

KAMESU, Oscar Kiyomitsu. A Razão para o Iluminismo e para o Pensamento Complexo: Possíveis Implicações desse Estudo para o Ensino de Filosofia no Ensino Médio. 138f. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Nove de Julho – UNINOVE, São Paulo-SP, 2009.

LA CHALOTAIS, Louis-René de Caradeuc de. Essai d'éducation nationale ou Plan d'études pour la jeunesse. Paris, 1763. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=hsBGAAAAcAAJ>. Acesso em: 01 mar. 2023.

PIOZZI, Patrícia. Utopias revolucionárias e educação pública: rumos para uma nova “cidade ética”. Educação e Sociedade. Campinas: Unicamp, v. 28, n. 100, 2007, p. 715-735.

SCHUBRING, Gert. Essais sur l‟histoire de l‟enseignement des mathématiques, particulièrement en France et en Prusse. Recherches en Didactique des Mathématiques, v. 5, n. 3, 1985, p. 343-385.

SILVA, Ribamar Nogueira da; RAFANTE, Heulalia Charalo. O ideário educacional iluminista na produção da escola pública. Quaestio - Revista de Estudos em Educação, Sorocaba, SP, v. 18, n. 1, p. 353-367, mai., 2016.

SILVA, Francisco de Assis Pinto. Navegando na razão – Internet e Iluminismo pedagógico. 415f. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, 2001.

 

 

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