A Vontade Geral, a Lei e o Legislador
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em: abr. 2022
Ao abordar o tema do contrato social vimos que este contrato ou pacto dá origem a uma forma de associação pelo qual os indivíduos passam a viver em sociedade. Essa associação forma um corpo moral e político que será dirigido pela vontade geral. No capítulo que tem como tema o pacto social (cap. 6, do Livro I), Rousseau o define como sendo é o ato pelo qual “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder, sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, coletivamente, cada membro como parte indivisível do todo” (ROUSSEAU, 1999, p. 22 – grifo do autor).
O pacto social, ao estruturar uma sociedade baseada na união entre os homens, fez com que suas vontades individuais dessem origem a uma outra vontade que deve visar o bem comum, que é a vontade geral. Da mesma forma que “a natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, recebe, como eu disse, o nome de soberania” (ROUSSEAU, 1999, p. 39).
O conceito de vontade geral faz parte do núcleo do pensamento político de Rousseau e o conceito de soberania do corpo político se dá no exercício dessa vontade. A vontade geral é a expressão política da vontade do soberano que, no caso de Rousseau, deve ser o povo.
É preciso destacar a diferença feita por Rousseau entre vontade de todos e vontade geral. A vontade de todos é a soma das vontades dos particulares. Como uma vontade individual geralmente visa ao interesse egoísta, e como o interesse de um nem sempre coincide com o interesse do outro, a vontade de todos não necessariamente visará um bem comum e pode ser prejudicial ao coletivo. A somatória dos interesses privados pode ter outra natureza que o interesse comum.
Por outro lado, cada homem é parte de um corpo coletivo e, como tal, pertence por isso mesmo ao espaço público e é necessária uma vontade que vise ao bem comum: esta é expressa pela vontade geral.
Ao contrário da vontade de todos que diz respeito ao interesse privado, a vontade geral visa o interesse comum. “Nesse contexto, a essência da vontade geral é o interesse comum, e caso seja direcionada para o interesse individual, deixa de ser, definitivamente, geral” (SILVA, 2020, p. 260).
O interesse comum não é necessariamente o interesse de todos, se considerarmos que a confluência dos interesses particulares pode visar, por isso mesmo, interesses privados. Daí o perigo de predominar o interesse da maioria, pois nem sempre se estará atendendo ao interesse comum ao conseguir-se a concordância de interesses privados de um grande número. “Logo, para que a vontade seja realmente geral, ela deve aplicar-se à totalidade dos cidadãos, visando ao interesse e bem comuns, e também à igualdade. É essa vontade, portanto, que deve mover o corpo político e ser a fonte das leis” (SILVA, 2020, p. 260).
O homem tem duas vontades: uma enquanto indivíduo, outra enquanto membro de um corpo social. Como indivíduo o homem é tentado a querer o interesse individual. Mas o homem social, o cidadão, deve procurar o interesse geral. O homem deve fazer predominar sobre a vontade particular a vontade geral “que apaga ‘o amor de si mesmo’ em proveito do ‘amor do grupo’” (CHEVALIER, 1999, p. 167).
Sobre a distinção entre vontade geral e vontade particular,
Dito em outros termos, a vontade geral equivaleria ao que seria o bom ou o melhor para todos, enquanto conjunto, independente das diferenças entre interesses privados que normalmente ocorre em qualquer comunidade. Portanto, ela representaria um acordo adquirido mediante o debate ou a reflexão procedida coletivamente, que permitiria trazer à tona ou fazer emergir o interesse comum que subsiste na base de um povo que tem uma existência política. O que, sem dúvida, apresenta-se diferente de um acordo ou consenso entre interesses parciais diversos, eventualmente até antagônicos, mas que estabelecem acordos por ser vantajoso para os grupos que os negociam entre si (VIEIRA, 2006, p. 25).
Discorrendo ainda sobre a vontade geral, Chevalier (1999, p. 167) acrescenta:
Vontade geral não é, de forma alguma, adição pura e simples de vontades particulares. Vontade geral não é simplesmente vontade de todos ou da maioria. Aqui deve-se fazer intervir um elemento de “moralidade”, palavra cara a Rousseau. Este último parece distinguir dois mundos, comparáveis, um ao mundo do Pecado, outro ao da Redenção. De um lado, o mundo suspeito do interesse particular, das vontades particulares, dos atos particulares. De outro, o mundo do interesse geral, da vontade geral (a que quer o interesse geral e não o particular), dos atos gerais (as leis). Uma diferença radical, não de grau mas de natureza, separa esses dois mundos (CHEVALIER, 1999, p. 167).
A importância da vontade geral para Rousseau nós podemos ver no início do segundo livro do Contrato Social: “La première et la plus importante conséquence des principes ci-devant établis est, que la volonté générale peut seule diriger les forces de lʼEtat selon la fin de son institution, qui est le bien commun”; “A primeira e mais importante consequência decorrente dos princípios até aqui estabelecidos é que só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que é o bem comum [...]” (ROUSSEAU, 2012, p. 105; Contrato Social, p. 43).
Quando o contrário acontece, os interesses particulares se sobrepõem ao geral, os abusos resultantes culminam na sociedade corrompida da qual Rousseau deseja se afastar. Quando a vontade deixa de ser geral, ela “não passa de uma vontade particular ou de um ato de magistratura, quando muito de um decreto” (Contrato Social, p. 44).
Segundo Machado (apud ANTUNES, 2006, p. 84), a vontade geral “[...] não passa, contudo, da expressão teórica do esforço praticado por Rousseau para atingir o essencial duma realidade entrevista na análise da vida humana: a realidade coletiva”.
A Vontade Geral e a Lei
Vejamos agora a relação da vontade geral com a lei. Como a vontade geral se expressa? “A vontade geral ‘não pode exprimir-se a não ser pelas leis; é a legislação somente que constitui a soberania. O poder legislativo é o poder soberano, porque todos os outros emanam dele e devem estar subordinados a ele’” (ANTUNES, 2006, p. 68-69).
Para Rousseau, preocupado em pôr limites aos abusos, desejos e vontades privadas, só a lei, a mais sublime de todas as instituições humanas, seria capaz de assegurar ao estado social a justiça e a liberdade. A quem o povo deve obedecer? Ora, a si mesmo, responde Rousseau!: “Le peuple soumis aux loix en doit être lʼauteur” (o povo, submetido às leis, deve ser o seu autor) (ROUSSEAU, 2012, p. 113). A lei emana da vontade geral. Por essa razão, os cidadãos não obedecem senão a eles mesmos e continuam livres, mesmo vivento em um Estado (o corpo artificial que deve sua origem ao contrato social).
A lei deve ser editada pela vontade popular e a assembleia do povo é o momento supremo da soberania. O soberano, ao fixar leis ou regras gerais, não pode fazê-lo para algum indivíduo, pois a função do legislativo e, portanto, do soberano, não se refere a um objeto individual.
É através da vontade geral que se expressa a lei. Correspondendo ao enunciado da vontade geral e, consequentemente, pertencendo ao interesse público, as leis devem estar acima dos interesses particulares:
Quanto à execução das leis, é tarefa do governo – formado por magistrados ou reis, governadores –, que age como ministro do soberano. É, portanto, um corpo intermediário (Príncipe) entre súditos e soberano, encarregado da manutenção da liberdade civil e política. Esse corpo executa as leis, não as interpreta; tarefa essa reservada ao legislativo.
A Vontade Geral e o Legislador
Vimos que a vontade geral se expressa por meio da lei, sendo a lei algo constituído pelo soberano. Entretanto, uma das questões levantadas por Rousseau é que, embora a vontade geral deseje sempre o próprio bem, pode acontecer de nem sempre se saber onde este bem está, o que pode levar a vontade geral ao erro, mas não por vontade própria: “a vontade geral é sempre certa porque quer o bem do corpo político; entretanto, como cada um pensa que está fazendo o bem, é possível que a vontade seja enganada, pois nem sempre as deliberações do povo são boas” (ROUSSEAU, 1999, p. 37 apud SILVA, 2020, p. 259).
Uma das dificuldades da doutrina da vontade geral está em responder como se pode presumir que ela sempre esteja esclarecida quanto ao bem comum. O objetivo primordial da vontade geral, o bem comum, carrega consigo um problema, o qual consiste em saber quem o define enquanto tal.
É no cap. 3, do Livro 2, do Contrato Social, que Rousseau discute a possibilidade de a vontade geral errar. Rousseau afirma que o povo deseja sempre o bem, mas não é sempre que se pode encontrá-lo. A vontade geral, diz o filósofo, “é invariavelmente reta e tende sempre à utilidade pública” (ROUSSEAU, 1999, p. 37).
Pode acontecer problemas quanto ao discernimento em saber o que é o bem comum, pois os indivíduos têm interesses particulares que podem ser colocados acima da vontade geral. Como fazer com que os interesses particulares não sobrepujem a vontade geral?
A solução para tal dificuldade seria a intervenção de um Legislador. É no capítulo sobre a Lei do Contrato (ROUSSEAU, 1999, p. 48), que Rousseau salienta a falta de discernimento do povo e sua dificuldade em reconhecer o bem, e afirma que, embora o povo queira sempre o bem, nem sempre pode reconhecê-lo por si só. É então que Rousseau “propõe a necessidade de alguém para elaborar as leis, bem como esclarecer as vontades do corpo político, que guie os homens de forma que possam instituir as leis da república, das quais eles mesmos, munidos de seu poder soberano, são os autores” (SILVA, 2006, p. 262).
Para tais indagações, consideramos alguns aspectos controversos discutidos pelo filósofo no Contrato social, como, por exemplo, se a vontade geral pode errar, se tal vontade é a que sempre prevalece nas deliberações públicas, e também sobre a figura do Legislador. Portanto, embora a vontade geral seja o fundamento para a manutenção da liberdade política dos homens, é possível indagar se ela realmente irá predominar em todos os âmbitos da sociedade civil, se os indivíduos que deliberam no exercício da soberania estão suficientemente esclarecidos sobre o que seja o bem comum, ou se são levados a aceitar o que convém ao Legislador (SILVA, 2006, p. 262).
Se por um lado, Rousseau afirma a soberania do povo, por outro ele considera que o povo nem sempre é capaz de elaborar bem as leis, o que faz com que seja necessária a “figura extraordinária do Legislador. Então, por ser considerado limitado em sua capacidade, o povo tem dificuldades para reconhecer o que é o bem comum, o que justifica a mediação de um guia” (SILVA, 2006, p. 263).
Mas quem é o Legislador para Rousseau? Rousseau resgata o pensamento da filosofia política clássica, ao considerar a mediação de um ser de inteligência superior, um indivíduo excepcional.
Esse Legislador, para ter uma justa noção do bem comum, precisa ser um indivíduo superior a todos os demais, um ser quase divino, que aceite a missão de fazer com que o povo enxergue o que não vê por si. Para suprir a incapacidade do povo de elaborar leis conforme o bem comum, o Legislador é necessário para expressar o que é o melhor na instituição do Estado, embora, em última instância, é o povo que detém o poder de aprovar leis.
Rousseau, portanto, sugere que os cidadãos comuns confiem naquilo que lhes é proposto pelo Legislador, o qual, devido à sua capacidade superior de discernimento no tocante aos assuntos públicos, pode ser o guia necessário à expressão da vontade geral. Para realizar esse trabalho, cabe ao Legislador usar da persuasão ou mesmo do discurso religioso para levar o povo a adotar a legislação que lhe seja mais apropriada (SILVA, 2006, p. 269).
É preciso considerar, todavia que, ainda que exista a figura de um guia dotado de uma inteligência sublime, “o autor das leis é o povo, porque só os membros da associação detêm o poder legislativo” (KAWAUCHE, 2013, p. 32). Ainda que conduzido por essa figura extraordinária, espécie de arauto da divindade, “a fonte de legitimidade do ato de instituir leis não é transcendente, de modo que, em última instância, a soberania permanece com o povo” (KAWAUCHE, 2013, p. 32). É preciso entender aqui um sentido metafórico de um indivíduo com um nível diferenciado de consciência política: “o autor das leis é, de direito, o próprio povo, porém, isso só se torna possível, de fato, com a intervenção de uma autoridade de “outra ordem”, a do legislador” (KAWAUCHE, 2013, p. 32).
Essa necessidade de um Legislador para guiar o povo nos leva a questionar a soberania que é tão fundamental no Contrato social, como pondera Silva (2006, p. 267) pois, embora Rousseau, como vimos, enfatize que o poder de aprovação das leis cabe unicamente ao povo e que o que é proposto pelo Legislador deve ser aceito pelo soberano, “é discutível até que ponto a influência e as ações de tal figura superior preservam a soberania do povo e, consequentemente, sua liberdade política” (SILVA, 2006, p. 267). A questão é: como pensar que o soberano é quem estatui as leis, quando existe a figura do legislador? Se o povo precisa da orientação de um legislador, ele continua sendo soberano? A resposta para esta questão seria que o legislador é alguém que apenas auxilia o povo na compreensão da vontade geral.
Para explicitar seu entendimento sobre a figura do legislador, Rousseau escreveu um capítulo inteiro para falar exclusivamente do papel do legislador, cuja principal atribuição deveria ser captar a essência da vontade geral e, ao mesmo tempo, traduzi-la numa linguagem acessível ao povo. Essa tarefa, Rousseau julgava tão além das possibilidades humanas, que ele comparava a figura do legislador com uma espécie de deus:
Para descobrir as melhores regras de sociedade que convenham às nações, precisar-se-ia de uma inteligência superior, que visse todas as paixões dos homens e não participasse de nenhuma delas, que não tivesse nenhuma relação com a nossa natureza e a conhecesse a fundo; cuja felicidade fosse independente de nós e, contudo, quisesse dedicar-se a nós, finalmente, almejando uma glória distante, pudesse trabalhar num século e fruí-la em outro. Seriam preciso deuses para dar leis aos homens (ROUSSEAU, 2012, p. 114 - tradução nossa).
O Legislador é o mecânico que inventa e modela a máquina, o governador (ou príncipe) é aquele que a monta e a põe em movimento. O príncipe (ou o povo) só tem que seguir o modelo proposto pelo Legislador. O Legislador, encarregado “de modelar a máquina política deve conhecer as paixões humanas sem se deixar seduzir por nenhuma delas, compreender a natureza humana sem partilhar de suas mazelas, almejar uma felicidade que independe dos homens dedicando-se e devotando-se a eles” (SILVA, 2008, p. 33-34).
O Legislador deve ser alguém disposto a “mudar a natureza humana”, no sentido de “transformá-lo”: de um indivíduo, em parte de um todo maior, “do qual de certo modo esse indivíduo recebe sua vida e seu ser” (ROUSSEAU, 2012). Em outras palavras, é preciso tornar os indivíduos conscientes de que os mesmos fazem parte de um todo maior, que é o corpo político (o Estado), “substituir” suas ações instintivas e naturais por “padrões” de comportamento comuns a todos e torná-los aptos a convivência no seio do corpo político.
Aquele que ousa empreender a instituição de um povo deve sentir-se com capacidade para, por assim dizer, mudar a natureza humana, transformar cada indivíduo, que por si mesmo é um todo perfeito e solitário, em parte de um todo maior, do qual de certo modo esse indivíduo recebe sua vida e seu ser; alterar a constituição do homem para fortificá-la; substituir a existência física e independente que todos nós recebemos da natureza, por uma existência parcial e moral. Em uma palavra, é preciso que destitua o homem de suas próprias forças para lhe dar outras que lhe sejam estranhas e das quais não possa fazer uso sem socorro alheio. Na medida em que tais forças naturais estiverem mortas e aniquiladas, as adquiridas serão grandes e duradouras, e mais sólida e perfeita a instituição, de modo que, se cada cidadão nada for, nada poderá senão graças a todos os outros, e se a força adquirida pelo todo for igual ou superior à soma das forças naturais de todos os indivíduos, poderemos então dizer que a legislação está no mais alto grau de perfeição que possa atingir (ROUSSEAU, 1962, p. 45-46).
Nesse sentido, não se pode dizer que para Rousseau, a atividade do legislador seja apenas a de elaborar leis, mas é uma tarefa pedagógica também, de formação e transformação da sociedade.
Uma outra tarefa que compete ao Legislador é examinar se o povo a que se destina determinadas leis está apto a recebê-las, como pondera Nascimento (1988 apud SILVA 2008, p. 35): “antes de elaborar as boas leis, cabe ao legislador examinar o povo ao qual elas se destinam. A ação do legislador só será eficaz se ele conseguir [...] captar os atributos que caracterizam e diferenciam os povos: usos, costumes e opiniões”. Nas palavras do próprio Rousseau (2012, p. 116 - tradução nossa): “Assim como, antes de erguer um grande edifício, o arquiteto observa e sonda o solo para verificar se sustentará o peso da construção, o instituidor sábio não começa por redigir leis boas em si mesmas, mas antes examina se o povo a que se destinam mostra-se apto a recebê-las”.
Silva (2008, p. 35) ressalta as “variáveis” que o legislador deve levar em consideração para exercer sua função que são: o nível de maturidade do povo, a extensão do Estado e a extensão do povo. Pelo primeiro aspecto é preciso considerar que os homens são mais fáceis de disciplinar na juventude e que, com o tempo, os preconceitos e vícios criam raízes quase incorrigíveis. Pelo segundo aspecto é preciso considerar os limites e extensão do Estado para fazer com que as leis sejam observadas. Por último é preciso considerar o tamanho da população para habitar e cultivar a quantidade de terras disponíveis e crias leis correlatas.
Finalmente, há que considerar que existem também os usurpadores, que devem se distinguir do verdadeiro Legislador. Este “se preocupa com o bem comum e que não faz uso de sua influência sobre o povo para atingir objetivos meramente pessoais” (SILVA, 2006, p. 270). Já os usurpadores e tiranos “sempre escolhem os tempos de crises e terror público para promulgar leis destrutivas que o povo nunca iria acatar em situações normais” (SILVA, 2006, p. 270).
Questões sobre a ideia de Vontade Geral
O conceito de Vontade Geral tem uma série de implicações. Dentre elas, podemos destacar o problema da unanimidade preconizada pela vontade geral, em outras palavras: “Rousseau não prevê que a unanimidade da vontade geral seja a convergência de todos os pontos de vista para uma mesma direção. Tampouco, como já referido, a unanimidade da vontade geral se expressa pelo consenso da maioria” (ANTUNES, 2006, p. 85). Como é possível a convergência e possibilidade de consensos das múltiplas vontades particulares?
Outro ponto a ser considerado é se a vontade geral pode ser obnubilada pela vontade da maioria (o voto dos mais numerosos obriga os demais, havendo predomínio de vontades e interesses particulares em detrimento do bem comum).
Temos ainda a questão da relação entre vontade particular e vontade geral: Como é possível ser livre e exercer sua liberdade individual na república que tem na vontade geral a predominância sobre todos os cidadãos, assim como devem a ela se curvar? Como fazer com que a segunda não anule a primeira? Para Rousseau, não se trata de anular a individualidade ou a vida privada dos membros do corpo coletivo. Rousseau não afirma que os indivíduos não tenham vontades particulares. A vontade particular não é um problema, mas o modo como cada indivíduo usa o próprio interesse em acordo com o bem comum: “não é problema para Rousseau a vontade particular em si, isto é, o ato de querer, desejar ou agir como se pretenda. O que se suscita nessa relação é o objeto da vontade particular, se está projetado em benefício do Estado quando o assunto é de interesse público” (CORREIA, 2021, p. 56).
Referências Bibliográficas
ANTUNES, Vanderlei Lemos. O Conceito de Soberania em Jean-Jacques Rousseau. Dissertação (Mestrado em Filosofia), Programa de Pós-graduação em Filosofia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.
CHEVALIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999.
CORREIA, André Rezende Soares. As Relações entre Soberania e Governo em Jean-Jacques Rousseau. Dissertação (Mestrado em Filosofia), Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021.
KAWAUCHE, Thomaz. Soberania e Justiça em Rousseau. Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 1, p. 25-36, jan./abr., 2013. Acesso em: 15 abr. 2022.
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____. Do contrato social ou princípio do direito político. Tradução de Lourdes dos Santos Machado. Introdução e notas de Lourival Gomes Machado. Porto Alegre: Editora Globo, 1962.
____. O Contrato Social. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. 3. ed., terceira tiragem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SILVA, Eduarda Santos. Vontade Geral, Soberania e Liberdade Política em Rousseau: Algumas Problematizações. Problemata: R. Intern. Fil., v. 11, n. 5, p. 255-271, 2020. Acesso em: 15 abr. 2022.
SILVA, Michelle Najara Aparecida. Jean-Jacques Rousseau. In: SANTIAGO, Marcus Firmino (org.). Crítica à Teoria do Estado: O conceito tradicional de soberania [e-book]. Brasília: IDP, 2014.
VIEIRA, Luiz Vicente. A democracia com pés de barro: o diagnóstico de uma crise que mina as estruturas do Estado de Direito. Recife, Ed. Universitária da UFPE, 2006.
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