Códigos de Ética e Decoro Parlamentar

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em jul. 2016

            Apesar de serem consideradas áreas distintas do conhecimento, é fato que hoje em dia a Ética vem ganhando cada vez mais espaço no âmbito da esfera Política. Vários fatores demonstram como essa relação vem acontecendo: a existência de Conselhos de Ética, nas diferentes casas legislativas; a elaboração dos Códigos de Ética e Decoro Parlamentar; uma cobrança cada vez maior da sociedade, no sentido de exigir uma política mais transparente e menos corrupta, tal como a mobilização popular em torno da criação da Lei da Ficha Limpa. Contudo, é preciso considerar que o âmbito da esfera política não pode ser reduzido ao universo da ética e da moral, pois como afirma Frota: “Os valores políticos transcendem os valores éticos e o universo da política não pode ser confundido com o da ética” (2012, p. 14).

          Ao analisar a importância das normais morais, éticas e deontológicas, Luiz Barroso afirma que elas devem ser seguidas não apenas “[...] por serem úteis ou vantajosas para quem age, ou até para a humanidade em geral, e sim porque a todo o indivíduo se impõe soberanamente o dever de adotá-las, de modo absoluto e necessário, ao ter consciência de que é um ente moral” (2000, p. 162). Macêdo e Yeganiantz (2003) analisam a convergência entre legalidade, legitimidade e a ética. Tanto quanto a legalidade, um código de ética possui regras dotadas de força que pode causar punição na forma de multa, perda de um cargo eletivo ou profissional. Um Código de Ética pretende ser legítimo, na medida em que deve ser compartilhado, de forma consensual, pelos membros da comunidade de um determinado grupo. O debate não é tão simples, como deixam claro os autores, pois a moralidade não se confunde com legalidade. “Legalidade significa qualidade do que se conforma à lei. Considera-se legal tudo o que não vá contra uma lei estabelecida, tudo o que não constitua uma infração à legislação. A noção de legalidade refere-se ao direito positivo” (2003, p. 304).

            Em um de seus pronunciamentos como candidato à presidência da República, Rui Barbosa afirmou: “Toda a política se há de inspirar na moral. Toda a política há de emanar da Moral. Toda a política deve ter a Moral por norte, bússola e rota” (apud NOGUEIRA, 1993, p. 350). E aqui deve se inserir também o decoro: o decoro, a decência, a honradez, a dignidade, enquanto norma social de conduta que deve orientar a ação parlamentar. E a quebra de decoro podendo ser punida com a perda temporária ou definitiva do mandato. “O decoro parlamentar está associado ao comportamento, à honradez, à imagem pública e à atuação digna. Portanto, envolve forte obrigação moral e ética e pode estar relacionado ou não a aspectos criminais” (FROTA, 2012, p. 17).

            A Constituição Federal de 1988, embora não defina o que seja decoro parlamentar, prevê em seu art. 55, inciso II (BRASIL, 2015a), a perda do mandato de um Deputado Federal ou Senador cuja conduta seja incompatível com o decoro parlamentar. Algumas definições sobre decoro podem ser encontradas em Aragão (2007) e Teixeira (1998). Em geral decoro tem a ver com dignidade, honra, integridade, honestidade, respeito. Em se tratando de uma função pública o decoro deve ser entendido no sentido de que os interesses individuais não podem prevalecer sobre o interesse público. O decoro parlamentar impõe, portanto, aos membros do poder legislativo, que sua conduta deve ser exercida com honra, respeito, honestidade.

            A ênfase na atualidade no decoro parlamentar e a conversão de deveres morais em deveres políticos revela uma crescente moralização da coisa pública e revelam uma crucial importância para o funcionamento do sistema político. “Na época em que vivemos, quando tantos valores são esquecidos ou postergados, a ética há de ser estudada e instada” (BARROSO, 2000, p. 165).

 

Conselho de Ética e Decoro Parlamentar

            As atividades dos Conselhos de Ética são regidas por regulamento próprio, como o Código de Ética e Decoro Parlamentar, que dispõe sobre os deveres, os atos incompatíveis e atentatórios ao Decoro Parlamentar, as penalidades, entre outros.

            Na Câmara dos Deputados, o Conselho de Ética foi criado em 2001, pela Resolução n. 25. As atribuições do Conselho de Ética estão previstas no Código de Ética:

I - zelar pela observância dos preceitos deste Código, atuando no sentido da preservação da dignidade do mandato parlamentar na Câmara dos Deputados;

II - processar os acusados nos casos e termos previstos no art.13;

III - instaurar o processo disciplinar e proceder a todos os atos necessários à sua instrução, nos casos e termos do art. 14;

IV - responder às consultas da Mesa, de comissões e de deputados sobre matérias de sua competência (BRASIL, 2015b, art. 6º).

            Vemos assim como um Código de Ética estabelece os princípios éticos e as regras básicas de decoro que devem orientar a conduta dos que estejam no exercício do cargo de deputado federal, estadual, senado ou vereador. Para que seja instaurado um Processo Disciplinar, contra qualquer Parlamentar, é preciso encaminhar uma Representação, junto ao Conselho de Ética respectivo, que deverá apurar a denúncia e, de acordo com o apurado, aplicar punições, baseado no Código de Ética que pode, inclusive, estabelecer a cassação do mandato parlamentar, devendo a sentença ser apreciada e votada pelo Conselho de Ética e em Plenário.

            Estudos têm sido realizados nessa área, para avaliar representações apreciadas por Conselhos de Ética, como a da Câmara dos Deputados: Alethea Pereira (2012) analisou 109 representações, entre a 52ª e 53ª legislaturas (de 2003 a 2011), avaliando a eficácia de instrumentos normativos como o Código de Ética no combate a práticas irregulares que conduzem à quebra do decoro parlamentar; Getúlio Frota (2012) analisou as implicações da quebra do decoro parlamentar na 4ª e 5ª legislatura da Câmara Legislativa do Distrito Federal, no qual foram protocoladas 32 representações, das quais apenas duas tramitou em todas as suas etapas chegando à decisão final pela cassação dos respectivos parlamentares; Giovana Cherchi (2009) analisou uma prática comum entre parlamentares envolvidos em situações incompatíveis com o decoro parlamentar, que é a renúncia do mandato, para evitar a cassação e a consequente inelegibilidade por oito anos (vale ressaltar que a Lei da Ficha Limpa procurou sanar essa lacuna do ordenamento jurídico, prevendo a inelegibilidade de políticos que usam esse tipo de mecanismo para evitar a cassação).

            Abaixo vemos alguns quadros elaborados por Pereira (2012, p. 49, 53 e 59) na sua análise sobre representações apreciadas pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados no período especificado.

            Toda vez que um político se vê envolvido em algum tipo de escândalo, seu mandato se torna passível de cassação. Para apurar os fatos envolvendo determinado político, é instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) responsável por apurar os desvios de conduta e, se for o caso, propor a cassação do mandato. Os exemplos são abundantes neste sentido: CPI da Petrobrás (2015/2016), CPI do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) criada em 2015, CPI do HSBC (criada em 2015 para investigar irregularidades pelo HSBC na abertura de contas na Suíça), CPI da Merenda (criada em 2016 para investigar as suspeitas de desvio de recursos em contratos de fornecimento de merenda em escolas da rede do governo Geraldo Alckmin e prefeituras paulistas).

 

Referências Bibliográficas

ARAGÃO, João Carlos Medeiros de. Ética e decoro parlamentar no Brasil e nos EUA: integração dos instrumentos de controle para mudança social. 2ed. Brasília: Entrelivros, 2007.

BARROSO, Luiz Felizardo. A importância de um código de ética. Revista da EMERJ, v. 3, n. 9, p. 158-173, 2000. Acessado em 23/06/2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 48. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015a.

____. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Código de Ética e Decoro Parlamentar [on line]. 4. ed. Brasília: Edições Câmara, 2015b.

CHERCHI, Giovana Silvia. Renúncia do mandato parlamentar na Câmara dos Deputados por falta de ética ou quebra do decoro. Monografia (Especialização em Política e Representação Parlamentar). Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados/CEFOR. Câmara dos Deputados. Brasília, 2009. Acessado em 24/06/2016.

FROTA, Getúlio Soares N. Implicações da quebra de ética e decoro parlamentar na 4ª e 5ª legislaturas da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Monografia (Especialização em Política e Representação Parlamentar). Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados/CEFOR. Câmara dos Deputados. Brasília, 2012. Acessado em 23/06/2016.

MACÊDOM, Manoel Moacir C.; YEGANIANTZ, Levon. Sociologia no direito: a convergência entre a legalidade, a legitimidade e a ética.  Revista de informação legislativa, v. 40, n. 158, p. 299-308, abr./jun. 2003. Acessado em 24/06/2016.

NOGUEIRA, Rubem. Considerações acerca de um Código e Ética e Decoro Parlamentar. Revista de informação legislativa, v. 30, n. 118, p. 349-358, abr./jun. 1993. Acessado em 23/06/2016.

PEREIRA, Alethea Patricia S. S. A atuação do Conselho de Ética nos casos de quebra de decoro parlamentar nas 52ª e 53ª legislaturas. Monografia (Especialização em Política e Representação Parlamentar). Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados/CEFOR. Câmara dos Deputados. Brasília, 2012. Acessado em 23/06/2016.

TEIXEIRA, Carla Costa. A honra da política: decoro parlamentar e cassação de mandato no congresso nacional ( 1949-1994). Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.

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