Ser amado ou temido (O Príncipe – CAP. XVII)

por Alexsandro M. Medeiros

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            É neste capítulo, que encontramos umas das mais célebres passagens de Maquiavel, segundo o qual, ao príncipe é desejável fazer-se amado e temido. Entretanto, como é difícil combinar ambas as coisas – afirma Maquiavel –, muitas vezes é preciso optar entre um ou outro. Nesta hipótese “é mais seguro ser temido do que amado, quando se tem de desistir de uma das duas”, isto porque “os homens têm menos receio de ofender a quem se faz amar do que a outro que se faça temer” (Príncipe, XVII). É que o vínculo de reconhecimento que mantém o amor é rompido toda vez que há interesse; ao passo que o temor é mantido pelo medo do castigo, que sempre está presente.

            O ideal, segundo Maquiavel, é que o príncipe possa agir sempre sem artimanha e violência. “Cada príncipe deve preferir ser reputado piedoso e não cruel; a despeito disso, deve cuidar de empregar adequadamente essa piedade” (Príncipe, XVII). Isto, porém, nem sempre é possível. O príncipe deve parecer clemente, piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso; e sê-lo, mas na condição de o não ser, quando necessário. Ao príncipe é necessário que tenha todas as qualidades acima citadas e que haja segundo as leis, pois qualquer um reconhecerá ser digno de louvor o fato de um príncipe possuir todas as qualidades consideradas boas. Mas a natureza humana é tal que não permite sua prática consistente. Em realidade, os homens são maus, perversos, cruéis; isto é o real. E o príncipe não poderá só querer ser bom, sob pena de incorrer em sua própria ruína, de não atingir seus mais altos objetivos.

            Maquiavel cita o exemplo de César Bórgia, na Romanha (Príncipe, XVII), como modelo de sucesso. Por outro lado, Cipião (idem) teve seus exércitos rebelados na Espanha, por sua bondade excessiva, por meio do qual ele concedeu mais liberdade do que seria conveniente à disciplina militar. Aqui, observa Maquiavel, foi o excesso de bondade e a falta de fama da crueldade que levou o exército a se rebelar contra Cipião, pois, sem a crueldade, jamais se terá como manter unido um exército.

Nos Comentários, Maquiavel volta a citar o exemplo de Aníbal e conclui: os homens são movidos ou pelo amor ou pelo medo. Nesse sentido, no exemplo de Aníbal, “o chefe temido consegue melhor obediência do que o que é amado”. Maquiavel indica que a crueldade bem empregada é superior ao excesso de bondade. A primeira traz “vantagens importantes”, caso o líder saiba empregá-la de modo eficiente (MANIERI, 2015, p. 134).

            Por estas e outras razões, o príncipe deve aprender a não ser bom pois, “quando um homem deseja professar a bondade, natural é que vá a ruína, entre tantos maus”, mas antes, é necessário que o príncipe “aprenda a ser mau, e que se sirva ou não disso de acordo com a necessidade” (Príncipe, XV). O príncipe “é muitas vezes forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade, a religião (...) Procure, pois, um príncipe vencer e preservar o Estado. Os meios empregados sempre serão considerados honrosos e louvados por todos...” (Príncipe, XVIII).

O problema principal está na relação entre o bem e o mal. Se ambos sempre estão juntos e não é possível realizar o bem, sem perpetrar o mal, então este último deve ser monitorado e conduzido com firmeza [...] Por isso se o mal é algo inevitável ao exercício do poder, “não deve o príncipe receá-la” (MANIERI, 2015, p. 134).

            É válido aqui ressaltar uma vez mais que, se o príncipe não deve querer apenas ser bom, é porque os homens são maus e perversos, ou seja, Maquiavel trabalha com uma concepção pessimista da natureza humana, propensa ao mal. Por isso, o príncipe deve impor sua força mais pelo temor que pelo amor.

            A questão antropológica em Maquiavel é o que leva o pensador florentino a afirmar que é melhor para o príncipe ser temido que amado (BIGNOTTO, 2008). Uma antropologia negativa que enfatiza o aspecto corruto da natureza humana, sua ingratidão, ambição, egoísmo, natureza dissimulada.

            O governante deve escolher ser temido, em detrimento de ser amado, se tiver que fazer a opção entre ambos pois

a natureza humana faz com que o temor não seja esquecido pelos homens, pois o medo dele decorrente o faz recordar do mal que pode lhe ser causado. Quanto ao amor, devido ao fato de que o homem somente têm (sic) boas recordações do mesmo, quando este acaba por qualquer motivo, são esquecidas rapidamente (MAGALHÃES, 2015, p. 53).

            Ideia que é reforçada logo no início da obra Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (1982) como podemos ver nesta passagem:

Todos aqueles que se ocuparam com o estudo da vida política, e a história está cheia de exemplos que os apóiam, concordam em dizer que quem quiser fundar uma república e lhe dar leis, deve pressupor que todos os homens são maus, e que usarão da maldade de seu ânimo todas as vezes que tiveram a ocasião (apud BIGNOTTO, 2008, p. 92).

            A ordem é impossível sem a coação e é por meio da força que o príncipe deve exercer seu poder se quiser conservar seu domínio. Nas deliberações em que está em jogo a salvação da pátria, não se deve ter qualquer consideração para com o justo ou injusto, o piedoso ou cruel, o louvável ou vergonhoso, há de seguir o caminho que salve a vida da pátria.

A crueldade em Maquiavel está em função do bem público. Se ela for utilizada nesse sentido, então é justificada. Ao comentar sobre os erros da multidão e dos príncipes, salienta que os da multidão podem ser curados com palavras e com um bom exemplo; já os erros dos príncipes só a “espada” pode servir. Abertamente, Maquiavel aconselha o assassinato para remediar o mal, em seu aspecto negativo. Isso porque a crueldade desse péssimo príncipe “persegue todos os que considera inimigos do seu bem particular”. Por isso a má crueldade é aquela que é empregada em prol de um bem particular e não da causa pública (MANIERI, 2015, p. 134).

            O conflito aqui com a moral cristã é claro, pois, de acordo com esta moral, o melhor para o governante é ser amado, piedoso, bom. Para Maquiavel, no entanto, não é possível definir nenhuma destas características como algo que deva ser desejado pelo príncipe pois o que deve ser levado em consideração são as circunstância, ou seja, “Maquiavel entende que não é importante ter nenhuma dessas características a priori, e o que importa é o resultado a posteriori. Faz-se esta assertiva, pois para Maquiavel a verdade efetiva aparece no resultado a posteriori” (MAGALHÃES, 2015, p. 55). É no capítulo XV e no XVIII que Maquiavel demonstra como estes fatos se dão, ou seja, que “As coisas que parecem ser boas, como qualquer das virtudes cristãs podem gerar um resultado político que não seria o desejado, mas uma atitude contrária a moral cristã poderia ocasionar um resultado politicamente bom” (MAGALHÃES, 2015, p. 55).

 

Referências Bibliográficas

BIGNOTTO, Newton. A Antropologia Negativa de Maquiavel. Analytica, Rio de Janeiro, vol. 12, n. 2, p. 77-100, 2008. Acessado em 17/12/2015.

MANIERI, Dagmar. O conceito de virtù em Maquiavel. Revista Crítica Histórica, ano VI, n. 11, p. 128-147, jul. 2015. Acessado em 16/12/2015.

MAGALHÃES, Leonardo Vello de. Conflito e Liberdade em Maquiavel. Dissertação (Mestrado em Direito). Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

MAQUIAVEL, Nicolau. Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio. Brasília: UnB, 1982.

____. O Príncipe. Tradução de Maria Júlia Goldwasser. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

 

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