Filosofia da Educação na Idade Média: a paideia cristianizada

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em jul. 2019

            A Idade Média, geralmente dividida em Alta Idade Média e Baixa Idade Média (após a virada do ano mil), abarca um período de mil anos, desde a queda do Império Romano (476) até a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453).

          A cultura medieval é um amálgama de elementos de várias civilizações: greco-romanos, germânicos, bizantino, islâmicos que fecundaram de forma brilhante a primeira fase da Idade Média.

            A Alta Idade Média tem como principal características o fato de ser uma sociedade agrária, baseada no trabalho de servos em substituição aos escravos (embora livres, os servos eram obrigados a prestar serviços e dependiam de seus senhores), autossuficiente na atividade agrícola e no artesanato caseiro. É o período do feudalismo. Nesse contexto o Direito Romano entrou em desuso, o comércio se tornou restrito e desapareceram as escolas. Mas a herança cultural greco-latina foi resguardada nos mosteiros e, por isso, a Igreja terá um papel predominante no controle do conhecimento e da educação.

            Na Alta Idade Média, que iniciou com a queda do Império Romano,

escolas romanas leigas e pagãs continuaram funcionando precariamente em algumas cidades, com o clássico programa das sete artes liberais. Quase não há documentos que comprovem a existência dessas escolas depois do século V, mas certos fatos nos levam a crer que ainda existiram por algum tempo. Por exemplo, como de início os bárbaros conservaram as características da organização administrativa do Império, o que exigia pessoal instruído, é de supor que necessitassem ser iniciados nas letras latinas (ARANHA, 2006, p. 163).

            Mas essas escolas serão sucedidas pelas escolas cristãs que funcionavam ao lado de catedrais e mosteiros, cuja finalidade principal não era a criação de escolas, mas a busca pela salvação pessoal. Todavia, a necessidade de instruir novos irmãos na busca pela salvação tornou a atividade pedagógica algo inevitável e então surgem as escolas monacais (nos mosteiros) onde se aprendiam o latim, as humanidades e os melhores alunos aprendiam filosofia e teologia. Era nos mosteiros que ficavam as bibliotecas com obras greco-romanas se tornando o principal reduto da cultural medieval. Os chamados monges copistas eram os principais responsáveis pela tradução de obras para o latim e reprodução de obras dos textos clássicos.

            Lentamente iremos assistir a um processo de adaptação do legado greco-romano à fé cristã. Os monges copistas, conhecedores de toda tradição intelectual greco-romana, eram também responsáveis por controlar, mediante ordens superiores, as leituras que seriam permitidas e aquelas que seriam proibidas. Mas nem todos viam com tanta reserva a tradição greco-romana e alguns dos primeiros padres da igreja, do período conhecido como patrística (que antecede em alguns séculos a Idade Média, surgindo no século II), irão procurar demonstrar que a fé não contrariava a razão, ou seja, que era possível encontrar elementos racionais (filosóficos) na doutrina da fé cristã (religião), embora a fé fosse considerada mais importante, dando origem ao que podemos chamar de filosofia cristã.

 

A filosofia dos Padres da Igreja teve início no período decadente do Império Romano, no século II [...] A Patrística caracteriza-se pela intenção apologética, isto é, de defesa da fé e conversão dos não cristãos. A exposição da doutrina religiosa tentava harmonizar a fé e a razão, a fim de compreender a natureza de Deus e da alma e os valores da vida moral (ARANHA, 2006, p. 176-177).

 

            Os primeiros padres da Igreja que se esforçaram por promover a conciliação entre fé e razão foram influenciados, principalmente, pelas ideias do filósofo grego Platão. Entre os primeiros padres podemos citar: Clemente de Alexandria, Orígenes e, sem sombra de dúvidas, o grande expoente desse período, Santo Agostinho (354-430). Agostinho, no período anterior de sua conversão ao cristianismo, deu aulas de retórica em Tagaste, sua cidade natal e depois em Roma e Milão. Dentre a produção de sua obra podemos citar uma específica sobre educação que é o pequeno livro De Magistro (Do Mestre): uma obra escrita através de um diálogo com seu filho Adeodato de 16 anos.

            Outros autores desse período são: Boécio (480?-524), que se destacou pela introdução dos tratados lógicos de Aristóteles que servirão de base para o ensino da argumentação na Idade Média; Cassiodoro (490-583), que iniciou os monges na literatura antiga, recolhendo inúmeros documentos religiosos e pagãos, formando uma vasta biblioteca.

Na Inglaterra, destacou-se a sabedoria de Beda, o Venerável (673-735), grande teólogo e pedagogo, que atuou no mosteiro de Yarrow, onde fez escola. Após sua morte, foi substituído pelo discípulo Egberto, que, por sua vez, foi o mestre de Alcuíno (735-804), convidado por Carlos Magno para organizar as escolas do Império Carolíngio (ARANHA, 2006, p. 179).

 

O Movimento Cultural Carolíngio

            O final do século VIII e início do século IX irá assistir aquela que, talvez, possa ser considerada a maior revolução pedagógica deste período, com o chamado movimento cultural carolíngio ou renascimento carolíngio. O nome carolíngio refere-se a Carlos Magno (742-814), que na época do seu império trouxe vários intelectuais proeminentes para sua corte com o objetivo de reformar a vida eclesiástica e também o sistema de ensino.

A escola palatina (assim chamada porque funcionava ao lado do palácio) tornou-se sede de um novo movimento de difusão dos estudos que visava à reestruturação e fundação de escolas monacais, de escolas catedrais (ao lado das igrejas, nas cidades) e de escolas paroquiais, de nível elementar (ARANHA, 2006, p. 165).

A escola palatina, entretanto, “não era um estabelecimento de ensino sistemático, mas um local de encontros e discussões dos expoentes da intelectualidade eclesiástica da época, e se destinava à preparação de jovens nobres que visavam alcançar algum cargo administrativo” (MENDONÇA, 1985, p. 84 apud VIEIRA, 2010, p. 83). No projeto da escola palatina desempenhou um papel fundamental Alcuíno de York, formado pela escola da Catedral de York, teve contato com vários filósofos e teólogos como: “Aristóteles, Cícero, Gregório Magno, João Crisóstomo, Cassiodoro, Boécio, Beda, Prisciano e Virgílio [...] Mais tarde, na composição de suas obras, perceber-se-á a grande influência de autores como Ambrósio, Agostinho, Gregório Magno, além de Isidoro de Sevilha” (VEYARD-COSME, 2006, p. 33 apud VASCONCELLOS, 2018, p. 253). Alcuíno de York foi mestre da escola palatina, a convite de Carlos Magno, e foi um dos responsáveis pela instauração do projeto cultural do renascimento carolíngio.

            O propósito da escola palatina ajuda a entender que, dentre os objetivos de Carlos Magno há que se considerar a necessidade de construir uma administração com pessoal capacitado em meio a uma sociedade marcada pelo analfabetismo. Por isso Carlos Magno se preocupou com o fortalecimento das instituições de ensino, diretamente relacionada com a melhoria educacional da classe aristocrática (nobreza e clero) e dos altos funcionários do reino. “Assim concebendo, passou a atrair para o reino franco uma quantidade significativa de letrados e estudiosos provenientes de várias regiões do ocidente e do oriente” (KOSMINSKY, 1990, p. 30 apud VIEIRA, 2010, p. 82). Ao convidar vários intelectuais para auxiliar na sua corte, Carlos Magno aproveitou todo o conhecimento e cultura advindo das mais diferentes regiões como a Espanha, a Irlanda, as Ilhas Britânicas, Roma e a Lombardia.

Foi na Lombardia que, no ano de 781, Carlos Magno encontrou vários intelectuais, como Pedro de Pisa, que se tornou um de seus mestres de latim, Paulo, o Diácono, (720-800), que contribuiu significativamente para o aumento do número de obras clássicas em sua biblioteca real e Paulino de Aquiléia, grande gramático e poeta (OLIVEIRA, 2008, p. 39).

            Por outro lado é preciso considerar como Carlos Magno buscou na Igreja o apoio necessário para o seu projeto de gestão e administração do seu reinado. “O imperador não hesita em fazer uso das estruturas eclesiásticas, tomando-as como apoio fundamental para a construção da estrutura administrativa do império” (VASCONCELLOS, 2018, p. 252). Com o apoio da Igreja no reinado de Carlos Magno, “bispos e abades desempenhavam funções similares aos condes. Tomavam parte ativa nas assembleias em que as leis eram discutidas e promulgadas e o alto clero exercia frequentemente uma autêntica preponderância” (DHONDT, 1978, p.51-2 apud VASCEONCELLOS, 2018, p. 252).

            Do ponto de vista pedagógico, Alcuíno de York, em sintonia com o projeto do imperador franco Carlos Magno, pensava na formação “de uma “nova Atenas”, mais nobre do que a antiga, pois a Atenas dos filósofos, ao contrário da Atenas carolíngia, não era enriquecida pelo ensinamento de Cristo e os dons do Espírito Santo” (VASCONCELLOS, 2018, p. 254).

Alcuíno de York e a escola palatina

 

            Carlos Magno e Alcuíno de York são apontados, com certa razão, como os grandes responsáveis pelo renascimento filosófico que estava na base do movimento cultural carolíngio e a escola palatina será o centro irradiador deste projeto: um centro intelectual que reunia intelectuais, membros da corte, clérigos e até leigos. A escola promovia, além dos estudos em letras latina, vivos debates em torno de questões teológicas.

A escola palatina é centro irradiador de cultura, mas está inserida em um projeto bem mais vasto, posto em execução desde que o imperador, através de uma capitular de 798 ordena a abertura de escolas nas catedrais e mosteiros, a fim de que as crianças, mesmo aquelas que não possuíam berço nobre, tivessem acesso aos ensinamentos religiosos, e às artes, sobretudo a gramática. Tal iniciativa foi ratificada pelo concílio de Chalon, de 813. É conhecido um texto de Theodolfo, sucessor de Alcuíno em que recomenda que os padres abram escolas, atendendo crianças com toda a caridade, sem receber pagamento (KNOWLES, 2000, p. 66 apud VASCONCELLOS, 2018, p. 255).

            O programa educacional do movimento carolíngio incluía latim (leitura e escrita), cálculo, canto eclesiástico e orações: correspondente ao ciclo primário de ensino. Em seguida o conteúdo do ensino era o das artes liberais que dividia os estudos em artes do indivíduo livre e artes mecânicas dos servos: os chamados trivium ou três vias (gramática, retórica e dialética) e quadrivium ou quatro vias (geometria, aritmética, astronomia e música).

            O trivium estava dividido da seguinte forma: gramática (estudo das letras e literatura), retórica (arte do bem falar e ensino de história) e a dialética (arte do raciocínio e lógica).

Os textos que embasavam o estudo do trivium eram, precipuamente, as gramáticas de Prisciano e Donato; para o estudo da retórica, utilizava-se Cícero e Quintiliano. A dialética, por seu turno, era ensinada a partir da Isagoge de Porfírio, dos textos lógicos de Aristóteles, além dos comentários que Boécio fez a tais obras. É a dialética que, mais efetivamente, vai colaborar para o ressurgimento filosófico. Ela será o sustentáculo das diversas polêmicas da época carolíngia em que a filosofia estará presente, ainda que, como já foi dito, inserida em questões de cunho teológico (VASCONCELLOS, 2018, p. 256).

            O quadrivium, por sua vez, estava dividido da seguinte forma: geometria (que incluía o estudo das formas geométricas e também a geografia), a aritmética (que estudava a lei dos números), a astronomia (que incluía o estudo dos astros e também a física e a astrologia) a música (que estudava a lei dos sons e a harmonia do mundo).

Disponível em: Augustine School. Acesso em jul. 2019.

 

            Na Baixa Idade Média o florescimento de uma nova classe, a classe burguesa, irá determinar algumas mudanças não só do ponto de vista político e econômico mas também educacional. A partir do século XI os burgos (a palavra burgo inicialmente significava castelo, casa nobre, fortaleza ou mosteiro) transformam-se em cidades e fazem surgir uma nova classe: a burguesia. “Por volta do século XI [...] As cidades cresceram graças ao comércio florescente. Como resultado das lutas contra o poder dos senhores feudais, as vilas se libertaram aos poucos, transformando-se em comunas ou cidades livres” (ARANHA, 2006, p. 167). Essas mudanças se exerceram também na educação e fizeram surgir as escolas seculares (de século, mas também adjetiva de qualquer atividade não religiosa). Se as escolas monacais e catedrais restringiam-se à instrução religiosa, a nova classe burguesa procurou uma educação que atendesse os objetivos da vida prática e para os interesses da classe burguesa em ascensão.

Por volta do século XII surgiram pequenas escolas nas cidades mais importantes, com professores leigos nomeados pela autoridade municipal. O latim foi substituído pela língua nacional, e em vez dos tradicionais trivium e quadrivium foram enfatizadas as noções de história, geografia e ciências naturais, que constituíam de fato as artes reais (ARANHA, 2006, p. 168).        

 

Alcuíno de York

            Alcuíno nasceu (730/735?-804) na cidade de York, capital da Nortúmbia, situada ao norte da Inglaterra do século VII e VIII. Filho de uma família nobre, estudou na escola da catedral desta localidade onde teve contato com o estudo das artes liberais (trivium e quadrivium) e, por isso, se tornou um dos seus grandes propagadores e defensores. Alcuíno tornou-se mestre da escola em 757 onde desenvolveu seu trabalho educacional. “Foi no ano de 781, na cidade de Parma em Roma, que Carlos Magno encontrou Alcuíno, na época, com cinqüenta anos, e o convidou a ser mestre na escola palatina” (OLIVEIRA, 2008, p. 12), embora seja provável que Carlos Magno já conhecesse Alcuíno há quase 10 anos.

            De Alcuíno temos preservados várias cartas, 320 para ser mais exato. As cartas eram uma forma muito comum de ensino utilizada na época e eram “constituídas basicamente de quatro partes: saudação, exortação introdutória do tema a tratar, corpo da carta e conclusão” (RIVAS, 2004 apud OLIVEIRA, 2008, p. 13). É em uma destas cartas enviadas a Carlos Magno que Alcuíno revela o anseio de construir na França uma nova Atenas: “forsan Athenae nova perficeretur in Francia” (apud OLIVEIRA, 2008, p. 41). Em outra carta, Alcuíno fala da importância das artes liberais e afirma que “sem elas, Santo Agostinho não conseguiria desvendar os mistérios da Santíssima Trindade. Ao se referir às artes, o filósofo de York as considera como de origem divina, como instrumentos fundamentais para conhecer os mistérios do Criador” (id., ibidem, p. 42).

            Além das cartas, Alcuíno utilizava o diálogo como forma de ensino, abordando temas relacionados à teologia, os escritos bíblicos, retórica e gramática. O diálogo (por meio de perguntas e respostas e do estímulo constante da reflexão, tanto do aluno quanto do mestre) e as cartas tinham um objetivo pedagógico de instrução. Profundo conhecedor das obras da Patrística e da cultura antiga, Alcuíno utilizava o diálogo à maneira de Platão e Cícero. Alcuíno apropria-se também da reflexão de intelectuais cristãos como Santo Agostinho e Orígenes de Alexandria (185-253)

Alcuíno se apropria dos conhecimentos antigos, como a arte da retórica e da dialética desenvolvida por Cícero, as artes liberais compostas pelo Trivium e Quadrivium, as virtudes defendidas por Platão e Aristóteles, as ciências présocráticas e aquelas desenvolvidas por Isidoro de Sevilha e Cassiodoro. Enfim, as leituras que fez dos clássicos antigos o aproximam de boa parte do pensamento Antigo e Medieval desenvolvido até o momento. Sendo um homem da Igreja e conhecendo a doutrina cristã, Alcuíno dedica-se à propagação do evangelho e, ao mesmo tempo, luta para preservar os elementos da Antiguidade, pois os julgava fundamentais (OLIVEIRA, 2008, p. 42-43)

            Alcuíno buscou em filósofos como Platão, Plotino e Santo Agostinho, respostas para as inquietações do corpo e da alma. Alcuíno escreve em suas obras sobre a dicotomia existente entre a alma e o corpo, de como a alma (imortal) é superior ao corpo e que os vícios estão ligados às sensações do nosso corpo e, por isso, a necessidade da alma se tornar virtuosa. Em sua obra A respeito da natureza da alma Alcuíno retoma as quatro virtudes de Platão (coragem, temperança, justiça e sabedoria) e reinterpreta sob uma perspectiva cristã, tal como fizera Santo Agostinho, acrescentando a ideia de caridade. São essas virtudes que possibilitam a aproximação da alma com Deus.

E estas quatro virtudes, aperfeiçoadas pela caridade, aproximam a alma a Deus. E, em efeito, não há nada melhor para o homem, nem nada que lhe faça mais feliz que Deus, ao qual certamente podemos unir-nos somente pelo amor. Por isso estas quatro virtudes devem ser coroadas pelo diadema da caridade. O que é a verdadeira sabedoria senão compreender que é necessário amar a Deus? O que é a justiça senão adorar Àquele que é a fonte de nossa existência e de quem recebemos todos os bens? O que é a temperança senão o oferecimento puro de si mesmo Àquele que se ama em estado de vida perfeita? O que é a fortaleza senão suportar todas as adversidades por amor a Deus? (ALCUÍNO, 2004, p. 160-161 apud OLIVEIRA, 2008, p. 62).

            Mas para além da filosofia, é na religião cristã que Alcuíno irá encontrar o grande fundamento de suas ideias. Para orientar o reinado de Carlos Magno, Alcuíno irá buscar exemplos dos personagens bíblicos, como Davi e Salomão, que governaram Israel com sabedoria e auxílio divino. “Alcuíno considerou as Sagradas Escrituras como uma espécie de mapa a ser utilizado para o êxito do Império. Ao analisar a ideia cristã contida nos evangelhos, ele a considerou mais importante que a filosofia produzida pelos antigos” (OLIVEIRA, 2008, p. 44). Salomão é conhecido por suas reflexões descritas em Provérbios e Eclesiastes segundo o qual não é possível encontrar a verdadeira sabedoria distante de Deus. Somente através da obediência aos desígnios divinos e uma íntima comunhão com Deus seria possível ao homem alcançar a sabedoria. De acordo com a Bíblia, o rei Salomão teve um sonho no qual Deus apareceu para ele e lhe disse

“Pede o que quiseres que te dê” (BÍBLIA, V. T. I Reis 3,5). A resposta do jovem rei foi: “Dá, pois ao teu servo sabedoria para julgar a teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal; pois quem poderia julgar este grande povo? (BÍBLIA, V.T. I Reis 3, 6-9)” (apud OLIVEIRA, 2008, p. 46).

            Alcuíno tomará Salomão como exemplo, por ser um rei, para que todos os reis sigam seus passos, governando com prudência, justiça e sabedoria. “Perante Deus, o rei era responsável por seu povo, por isso, deveria governar segundo Sua vontade, tal como descrito na Bíblia” (OLIVEIRA, 2008, p. 46).

            Em suas obras, Alcuíno fará inúmeros comentários a partir dos livros escritos por Davi (Salmos) e Salomão (Provérbios, Eclesiastes e Cantares).

Alcuíno, ao comparar Carlos Magno ao rei Davi, expressou-se da seguinte forma: Feliz, disse o salmista, a nação de que Deus é o Senhor; feliz o povo exaltado por um chefe e apoiado por um pregador da fé cuja mão direita brande a espada dos triunfos e cuja boca faz ressoar a trombeta da Verdade católica. Foi assim que outrora David, escolhido por Deus para o rei do povo que era então o seu povo eleito [...]. Submeteu a Israel, pela sua espada vitoriosa, as nações dos arredores, e pregou entre os seus a lei divina. Da nobre descendência de Israel saiu, para a salvação do mundo, “ a flor dos campos e dos vales”, o Cristo a quem nos nossos dias o (novo) povo que ele fez seu deve um outro rei David. Sob o mesmo nome, animado da mesma virtude e da mesma fé, este é agora o nosso chefe e o nosso guia: um chefe à “sombra do qual” o povo cristão repousa na paz e que de todos os lados inspira o terror às nações pagãs; um guia cuja devoção não cessa, pela sua firmeza evangélica, de fortificar a fé católica contra os partidários da heresia, velando para que nada de contrário à doutrina dos apóstolos se introduza em qualquer ponto, esforçando-se por fazer brilhar por toda a parte a fé católica à luz da graça celestial (apud OLIVEIRA, 2008, p. 49).

            Alcuíno foi o autor de obras como: Debate sobre a retórica e sobre as virtudes do sapientíssimo rei Carlos e do mestre Alcuíno (no formato de diálogo entre o rei Carlos e Alcuíno, inspirado nas ideias de Cícero); Diálogo acerca da verdadeira filosofia; Diálogo entre Pepino e Alcuíno (apresenta uma fusão de conceitos da cultura antiga e cristã); A respeito da natureza da alma (de influência platônica e agostiniana); Livro a respeito das virtudes e dos vícios para o conde Guido (apresenta os principais vícios que devem ser evitados por um governante, fundamentado na religião cristã e na filosofia antiga). Para uma análise detalhada das obras: Livro a respeito das virtudes e dos vícios para o conde Guido (com ênfase na moral), Debate sobre a retórica e sobre as virtudes do sapientíssimo rei Carlos e do mestre Alcuíno (com ênfase no conhecimento e na ciência da retórica) e Diálogo entre Pepino e Alcuíno (que contém uma discussão sobre a educação de um ponto de vista filosófico e voltada para o futuro governante da dinastia carolíngia – Pepino era filho de Carlos Magno e seu sucessor), ver: Oliveira (2008, p. 68-111).

 

As Universidades e a Escolástica

            Entre os séculos X e XIII surgem as universidades que representam um novo modelo educacional. “A universidade mais antiga de que se tem notícia talvez seja a de Salerno, na Itália, que oferecia o curso de medicina, desde o século X” (ARANHA, 2006, p. 172). No século XI foi criada a universidade de Bolonha, na Itália (especializada em direito) e no século XII a universidade de Paris, na França (especializada em teologia). Posteriormente são criadas as universidades de Cambridge e Oxford (Inglaterra), Montpellier (França), Salamanca (Espanha), Roma e Nápoles (Itália).

            As universidades tornaram-se um centro de fermentação intelectual onde dominava a lógica aristotélica: a lógica enquanto regras do bem pensar. À medida que as obras de Aristóteles eram traduzidas para o latim, sua influência foi aumentando cada vez mais. O apogeu das universidades, no período conhecido como escolástica, ocorrerá com a produção de Tomás de Aquino (1225-1274), um dos mais influentes teólogos desse período, responsável por promover uma conciliação entre a doutrina cristã e a filosofia de Aristóteles. Tomás de Aquino escreveu uma obra homônima à de Santo Agostinho, De Magistro, onde retoma muitos de seus pontos e conceitos.

A Escolástica é a mais alta expressão da filosofia cristã medieval. Desenvolveu-se desde o século IX, alcançou o apogeu no século XIII e começo do XIV, quando seguiu em decadência até o Renascimento. Chama-se Escolástica por ser a filosofia ensinada nas escolas. Scholasticus era o professor das artes liberais e mais tarde também o professor de filosofia e teologia, oficialmente chamado magister (ARANHA, 2006, p. 179).

            A fim de justificar a doutrina cristã, procura-se apoiar a fé na razão, para o qual era necessário o trabalho de argumentação, sustentado por um sistema lógico de exposição de ideias e defesa do ponto de vista, para o qual a lógica aristotélica parecia tão fundamental, sobretudo através do silogismo e do pensamento dedutivo, que consiste em partir de proposições gerais para se chegar ao particular. A dialética, a arte do diálogo, de influência platônica, também estava presente nas universidades: “A atividade docente na universidade era desenvolvida conforme o método da Escolástica, baseado na lectio (leitura) e na disputatio (discussão), pelas quais os estudantes exercitavam as artes da dialética, discutindo as proposições controvertidas” (ARANHA, 2006, p. 172). Por isso a filosofia se tornou um estudo tão essencial para os teólogos.

            Nesse contexto a Igreja se viu ameaçada em sua hegemonia, por causa das ideias de contestação frequentemente abordada nestas questões. O temor em perder a hegemonia foi tão grande que a Igreja resolveu instalar a Inquisição ou Santo Ofício: tribunais espalhados por toda a Europa a partir do século XII responsáveis por apurar os desvios da fé. Com censura e rigor, a Igreja determinava punição contra os hereges, queima de livros contrários a fé cristã e, até, a queima de seus autores, como foi o caso do monge Giordano Bruno.

 

 

Referências Bibliográficas

ARANHA, Maria Lúcia de A. História da Educação e da Pedagogia: Geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Editora Moderna, 2006.

KOSMINSKY, Eugenii A. História da Idade Média. São Paulo: Centro do Livro Brasileiro, 1990.

MENDONÇA, Sonia Regina de. O Mundo Carolíngio. São Paulo: Brasiliense, 1985.

OLIVEIRA, Priscila Sibim de. Alcuíno e a educação de governantes (final do século VIII e início do século IX). Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2008.

RIVAS, R. Alcuíno de York: Obras Morales. Espanha: EUNSA, 2004.

VASCONCELLOS, Manoel. As escolas e o ressurgir da filosofia no renascimento carolíngio. Filosofia e Educação, Campinas, SP, v.10, n.2, p. 249-263, maio./ago. 2018.

VIEIRA, Fábio Antunes. O Império e o Renascimento Carolíngio: uma abordagem, Unimontes Científica, Montes Claros, v.12, n1/2, p. 79-86, jan./dez. 2010.

 

 

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