O feminismo contra a perpetuação da cultura machista no campo das relações afetivas

Luana Pantoja Medeiros

https://lattes.cnpq.br/7355733518783146

postado em mar. 2017

            Muitas de nós, empurradas pelo modismo dos movimentos sociais, que ganharam significativa notoriedade nos últimos anos, com o advento das redes sociais, aprendemos algumas lições sobre o feminismo com mulheres decididas e destemidas que vão as ruas protestar e reivindicar seus direitos, com textos explicativos, cativantes e encorajadores disponíveis via internet, e até mesmo afirmamos que somos feministas. E isso é muito bom, porque com algumas dessas lições, muitas mulheres, livraram-se de relacionamentos abusivos ou conseguiram identifica-los em suas relações afetivas, relações de trabalho e até mesmo no seio familiar.

            O fato é que o feminismo não deve ser considerado mero modismo. Não, pois ele é bem mais representativo e útil para nós do que a moda, que passa, fica obsoleta, esquecida, sem utilidade. O feminismo está aqui, nas redes sociais, nos movimentos sociais, nas ruas, nos filmes e nos livros de história, e não é moda, é luta. Não adianta de nada fazer passeata, gritar, exigir direitos, fazer textos, se continuarmos, no dia-a-dia, ajudando a semear preconceitos nas gerações seguintes, com ações diretas ou indiretas. Vale ressaltar algumas dessas ações no campo das relações afetivas, das quais o feminismo não se omite.

            Existe uma espécie de irmandade entre os homens, que seria de se admirar se não fosse trágico. Eles se protegem, se reconhecem, e reconhecem a vantagem que levam diante de nós mulheres, através dos conceitos que há séculos a sociedade mantém e concede a eles, garantindo a perpetuação da cultura machista. É dessa irmandade que a nossa querida Simone de Beauvoir falava em seu livro O Segundo Sexo II publicado em Paris de 1949, “Há uma espécie de irmandade entre os homens, enquanto que as mulheres nem se reconhecem como vítimas do mito do “eterno feminino”. E isso as torna meio vítimas e meio cúmplices da realidade forjada para elas.” (BEAUVOIR, p. 3, 1967).

            O que Simone de Beauvoir observou há mais de cinquenta anos da nossa atualidade, ainda é uma verdade entre nós. Mulheres não se reconhecem enquanto vítimas da cultura do machismo. Não, porque ainda saímos com homens com histórico de agressão contra mulheres, ainda publicamos fotos e comentários, orgulhosas de termos “ganhado o homem da outra”. Ainda ficamos felizes achando que somos melhores e mais bonitas do que a outra mulher que foi abandonada, humilhada, ferida, trocada. Mulheres são rivais quando não deveriam ser. E ainda existe a romantização, com efeito, para suavizar a cultura machista através de sites e blogs que poetizam e propagam o “instinto macho” daquele que trai, mente, abandona filhos, para se aventurar nos braços de sua próxima vítima. 

            Quantas vezes ouvimos destes mesmos homens que o feminismo é o machismo ao contrário? NÃO É! Nenhuma feminista tem a intenção de dominar o sexo masculino e fazer dele escravo. O feminismo existe para por as mulheres em pé de igualdade com os homens. Para liberta-las de séculos de opressão.

            O feminismo almeja a liberdade da condição feminina, porém não pode e não haverá verdadeira liberdade enquanto nós mulheres não formos libertadas dos privilégios que a sociedade reconhece ao homem. Não haverá verdadeira liberdade enquanto nós aceitarmos nos resignar em braços de homens que tratam mulheres sem respeito, sem dignidade, sem humanidade. Não haverá liberdade se continuarmos cedendo a caprichos de maridos opressores em casamentos onde os homens ditam regras como padres rezam missas, e se acham com direto de enganar, ferir, e nada poderá atingi-lo ou freia-lo.

            Não haverá liberdade enquanto nós mulheres não reconhecermos que não somos rivais umas das outras. Não haverá liberdade enquanto nós aceitarmos esses homens como troféus valiosos até nos tornarmos sua próxima vítima. Não haverá liberdade para nós enquanto esses homens saírem ilesos de relacionamentos abusivos e continuarem difundindo esse comportamento sem que sejam ao menos julgados e condenados por nós mesmas.  

            O feminismo quer a liberdade para as mulheres. Liberdade física e psicológica. Se conseguirmos nos enxergar como vítimas e nos reconhecermos dotadas de capacidade para vencermos a cultura do machismo, o cinismo da romantização do “instinto macho”, aí sim sairemos do modismo, de fato, e iniciaremos uma nova etapa no longo processo de emancipação da condição feminina, pois como se não bastasse os homens serem privilegiados em muitos campos da vida, e em todos os tempos da história da humanidade, ainda nos incitam a sermos rivais, minando qualquer possibilidade de reciprocidade, compaixão, e irmandade entre nós. O feminismo é contra a perpetuação da cultura machista nas relações afetivas. O feminismo não é moda. É luta!   

 

Ciência Política → Políticas Públicas  → Políticas Públicas de Gênero  → O feminismo contra a perpetuação da cultura machista no campo das relações afetivas