O que é Assédio material?

por Mário Lúcio Souto Lacerda

Advogado (soutolacerda@gmail.com)

postado em abr. 2018

Se há capitalismo, há assédio!

 

            Assim como o assédio sexual e o assédio moral, a mulher e o homem sofrem, no local de trabalho, outro tipo de humilhação. O assédio material ou apropriação indébita.

            Em alguns casos, quando o (a) trabalhador (a) rural vai pedir emprego a um fazendeiro, este contrata a mão-de-obra, oferecendo ao novo empregado uma toiça de banha de porco, um saco de arroz, um saco de feijão, às vezes um uniforme, uma enxada, uma pá, um chapéu, um par de botas, uma choupana para moradia e uma garrafa de pinga.

            Satisfeito (a) com aqueles "presentes" o (a) trabalhador (a) vê o raiar do dia como um novo horizonte de esperanças e de futuro melhor!

            Ao fim do primeiro mês de trabalho, o (a) empregado (a) dirige-se ao empregador com a intenção de receber o seu salário.

            - Salário? Mas, eu, graciosamente, não lhe dei uma toiça de banha de porco, um saco de arroz, um saco de feijão, um uniforme, uma enxada, uma pá um chapéu, um par de botas, uma choupana para moradia e uma garrafa de pinga? Você é quem me deve, afinal aqui não tem nada de graça!

            Assim, o (a) trabalhador (a) volta para a choupana e avisa à família que não tem dinheiro para vencer o mês, pois o patrão fez as contas e avisou que não deve pagamento.

            Moral da história: O (a) trabalhador (a) já inicia a sua labuta devendo uma conta que não contratou.

            Guardadas as devidas proporções, pode-se intuir que um fenômeno parecido ocorre com os (as) trabalhadores (as) do meio urbano assujeitados (as) aos ditames do Banco de Horas. Nesse sentido, cabe analisar o sistema adotado em algumas empresas.

            Quando um (a) candidato (a) vai procurar emprego perante um explorador da mão-de-obra alheia, este contrata o (a) empregado (a), oferecendo um uniforme, um salário que não remunera dignamente, um documento, no qual o (a) trabalhador(a)  assina concordando que, conforme reza o calendário, todo feriado emendado será compensado em outro dia a ser escolhido em oportunidade conveniente, de preferência, pelo empregador,

            O que não fica bem claro no documento é que as horas trabalhadas além da jornada laboral não serão pagas, pois tudo vai para um sistema de compensação intitulado Banco de Horas.

            Satisfeito com aquele novo emprego, o (a) trabalhador (a) vê o raiar do dia como um novo horizonte de esperanças e de futuro melhor!

            Ao fim do primeiro mês de trabalho, o (a) empregado (a) dirige-se ao empregador com a intenção de receber o seu salário e as horas-extras trabalhadas.

            - Horas-extras? Mas eu, graciosamente, não lhe dei uns dias de folga emendando o feriadão? Lembra não? Você assinou papel, mestre Jonas! Eu, graciosamente, dispensei você do trabalho e o senhor ficou em casa. Fazendo o quê? Descansando às minhas custas! E mais, os próximos feriados emendados, já sabe, têm de pagar! Você é quem me deve, afinal aqui não tem nada de graça!

            Assim, o (a) trabalhador (a) volta para a sua casa e avisa à família que aquelas horas extras trabalhadas, com a intenção de engordar o pagamento do mês, não serão pagas! O patrão fez as contas e avisou que não deve pagamento. O (a) trabalhador (a) fará mais horas extras e tudo será objeto do Banco de Horas.

            O ano passa, o (a) empregado (a) trabalha sábado o dia todo, trabalha domingo, trabalha além da sua carga horária, trabalha até o dia raiar, e, mesmo assim, termina o ano devendo, porque, sem entender bem, concordou com a lógica do tal Banco de Horas.

            O mais estranho é que nem os (as) trabalhadores (as) estão submetidos ao Banco de Horas, pois uns poucos funcionários em algumas instituições têm tratamento diferenciado do restante do quadro de empregados (as).

            A situação lembra os versos do poeta Castro Alves, quando este, em sua lírica - Navios Negreiros - clamou:

"Senhor Deus dos desgraçados! 
Dizei-me vós, Senhor Deus! 
Se é loucura... se é verdade 
Tanto horror perante os céus?!"

            Haverá um Deus para os (as) desgraçados (as) – presos (as) ao Banco de Horas - e um Deus para abastados, que se apropriam e assediam o dinheiro destinado ao pagamento das horas-extras?

            Quanto da riqueza negada ao pagamento de muitas horas-extras estará alimentando o lucro de poucos privilegiados?

            Para se ter uma ideia, as horas-extras trabalhadas para pagar o banco de horas não incidem para efeitos de saldo de salário, aviso prévio, férias vencidas + 1/3, férias proporcionais + 1/3, 13º salário proporcional, FGTS (levantamento do saldo depositado), FGTS - multa de 40% (sobre o valor de todos os depósitos), adicionais noturno, de  periculosidade e de insalubridade, INSS, para efeitos de aposentaria, PIS, PASEP e  seguro desemprego.

            Será necessário comparar a situação dos (as) trabalhadores (as), atrelados (as) aos grilhões do Banco de Horas, à situação dos (as) escravos (as) de outrora? Vivemos uma nova senzala que nega o pagamento do resultado do trabalho?

            O Banco de Horas é uma forma de assediar materialmente o salário do (a) empregado (a), subtraindo-lhe o pagamento das horas-extras trabalhadas e seria uma forma de assediar moralmente a autoestima do (a) trabalhador (a)?

            Estaremos diante de um novo tipo de assédio, no qual um grupo de privilegiados apropria-se indevidamente da única riqueza que o (a) trabalhador (a) possui. Qual seja a força do trabalho?

            Existe alguma moral para essa história?

            Por desespero, devemos rir de tudo isso ou, por inconformismo, devemos nos indignar?

 

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