O que é Ciência
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em jan. 2019
Assim como a filosofia surge no século VI a. C. substituindo as explicações míticas e as crenças religiosas na tentativa de compreender o mundo, assim também a revolução científica iniciada por Galileu Galilei no séc. XVII da nossa era determinou a elaboração de uma nova forma de tentar compreender a realidade, separando filosofia e ciência. De certo modo, podemos dizer que a filosofia é a mãe de todas as ciências ou a ciência-mãe, entendendo-se por ciência uma indagação e um conhecimento organizado e racional da realidade. Ambas, filosofia e ciência, podem ser classificadas como um saber sistemático, crítico, racional e rigoroso do real, embora apresentem métodos diferentes. Enquanto a filosofia é um saber que procura se fundamentar essencialmente na razão, as ciências têm como metodologia específica a observação e a experiência.
Desde a Antiguidade até meados do século XVII, a ciência aparece vinculada à filosofia e à religião. “Filosofia Natural, Magia Universal, Nova Ciência, Filosofia Experimental: esses foram alguns dos nomes com que se tentou batizar, entre os séculos XVI e XVII, o que hoje chamamos de Ciência Moderna” (ALFONSO-GOLDFARB, 1994, p. 10). O vínculo do conhecimento científico com a filosofia e com a religião vai desaparecer progressivamente com o surgimento da astronomia e da física moderna dando à ciência um domínio autônomo e independente. A ciência como a entendemos surgiu no séc. XVII com a revolução científica iniciada por Galileu.
Galileu inaugurou uma nova fase na história da ciência, ao defender o racionalismo matemático como base do pensamento científico – “o universo é um texto escrito em caracteres matemáticos”:
A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito21. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto (GALILEI, 1983, p. 130).
Tela do pintor italiano Tito Lessi (1858-1917). Galileu Galilei com um de seus discípulos (In: FEITOSA, 2004, p. 69)
No século XIX, o positivismo de Auguste Comte determinou a fronteira entre aquilo que pode ser considerado conhecimento religioso, conhecimento filosófico e conhecimento científico. O século XX conheceu vários filósofos e cientistas que tentaram definir com precisão o que é a ciência e como ela evolui. De modo geral, o conhecimento científico é o tipo de conhecimento resultado da observação e da experiência, contrariamente ao argumento baseado na autoridade e na tradição (seja de Aristóteles ou da Bíblia, por exemplo), a experiência passou a ser vista cada vez mais como fonte de conhecimento.
Em oposição ao saber contemplativo, característico da Antigüidade e da Idade Média, surge uma nova postura, que procura basear o conhecimento na observação da própria realidade, submetida a experimentação.
O trabalho de anatomia do médico belga Andreas Vesalius (1514-1564), De fabrica humani corporis, pode ser considerado um dos primeiros estudos empíricos de dissecação de cadáveres para estudar a anatomia do corpo humano.
Vesalius corrige alguns dos principais erros em anatomia que haviam chegado até a sua época. Por exemplo, a falta de uma costela no sexo masculino (gerada pela ideia de que Adão perdera uma costela) ou a presença de cinco lóbulos no fígado humano (gerado a partir das dissecações de Galeno em fígados de porco). Apesar disso, Vesalius continua sendo um antigo [...] Sua maior ambição no De fabrica era atualizar e aprimorar as obras do mestre Galeno (ALFONSO-GOLDFARB, 1994, p. 26).
Lição de Anatomia do Professor Nicolaes Tulp (1632), do pintor holandês Rembrandt. (In: FEITOSA, 2004, p. 99).
A tela captura o olhar científico sobre o corpo humano, reduzido a uma fonte de informações anatômicas e fisiológicas, algo a ser investigado e examinado.
O novo conhecimento baseado na observação dos fenômenos da natureza foi utilizado por William Gilbert (1540-1603), no estudo dos fenômenos elétricos, que o ajudaram a descobrir a propriedade dos ímãs; por Mariotte no estudo da elasticidade dos gases; por Von Guerick ao inventar a máquina elétrica; por Pascal e Torricelli, para criar o barômetro e ajudar na descoberta da existência da pressão atmosférica; por Huygens (1629-1695) ao desenvolver a teoria ondulatória da luz. Na matemática, Descartes (1596-1650) e Fermat desenvolveram a geometria analítica; Newton e Leibniz desenvolveram o cálculo diferencial; o cálculo das probabilidades surgiu com Pascal (1623-1662) e o cálculo infinitesimal com Leibniz e Bernoulli. Servey e Harvey explicaram a circulação sangüínea com base no estudo da anatomia e Hooke descreveu a estrutura celular das plantas. Mas sem dúvida, foi Galileu Galilei (1564-1642) e Isaac Newton (1642-1727) os que mais se destacaram neste período, por tentarem tornar a física uma ciência experimental (empírica). As contribuições de Galileu podem ser vistas no campo da ótica (lentes, reflexão e refração da luz), termologia (invenção do termômetro), hidrostática e principalmente no campo da dinâmica. Galileu se destaca entre aqueles de seu tempo pela valorização da experiência, preocupando-se com a descrição dos fenômenos baseado na observação.
Ainda no século XVII e já início do século XVIII temos as observações microscópicas do holandês Antoni van Leeuwenhoek (1632-1723) e, avançando mais no século XVIII, o químico Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), tomando de empréstimo a metodologia da física iniciada com Galileu, procurou tornar a química uma ciência. Lavoisier serviu-se do termômetro e do barômetro em suas experiências. Aperfeiçoou vários tipos de balanças de precisão e a partir da constância dos pesos dos materiais por ele estudados intuiu o princípio da conservação da massa: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. O século XVIII é também o século da monumental classificação de Carl Lineo (1707-1778).
O século XIX foi o século do desenvolvimento das ciências biológicas e das ciências humanas. Em 1865 Pasteur lançou as bases da ciência da bacteriologia devido à descoberta de que as moléstias são produzidas por germes, com inúmeras conseqüências para o progresso da medicina. No mesmo século, Claude Bernard fez da fisiologia uma ciência positiva tendo como modelo o método experimental da física e da química. Tal como o fizeram a biologia e a fisiologia, as ciências humanas, entre elas a sociologia, a psicologia, a economia etc., também passaram a buscar um status científico amparando-se no modelo físico-químico experimental de ciência. Contudo, a complexidade dos atos humanos ofereceu dificuldades bem diferentes daqueles enfrentados pelas ciências da natureza, no intuito de estabelecer relações do nosso conhecimento com a realidade.
Só para citar algumas dessas dificuldades, uma delas reside no fato de que o próprio cientista é um ser humano e por isso se torna difícil estabelecer um certo distanciamento para um saber científico imparcial; além disso, por ser consciente e livre, o comportamento humano não é previsível e nem determinado, como os fenômenos físicos; mas a principal dificuldade se refere à questão mesma da experimentação, que não ocorre do mesmo modo que nas ciências naturais, tendo em vista a dificuldade de identificar e controlar os diversos aspectos que influenciam os atos humanos e por não ser possível submeter o ser humano a qualquer experimento, a fim de não atingir sua integridade física, moral ou mental (sobre os aspectos epistemológicos e especificidades das pesquisas em ciências humanas e sociais, veja o texto: Pesquisa Social e Epistemologia).
O êxito dessa nova forma de conhecimento baseado na experiência levou à concepção do cientificismo, a concepção segundo a qual a ciência é considerada como o conhecimento que melhor pode induzir o homem à compreensão da realidade, culminando no século XIX, no pensamento positivista, que tem Auguste Comte como seu principal representante. O positivismo retomou a linha desenvolvida pelo empirismo do século XVII e considera a observação e a experiência como os principais critérios que permitem revelar as leis efetivas do universo. Assim, enquanto os mitos antigos explicariam, por exemplo, a queda dos corpos pela ação dos deuses e a filosofia, de Aristóteles por exemplo, explicaria essa mesma queda pela essência dos corpos pesados, cuja natureza os fazem tender para baixo, onde seria o seu lugar “natural”, Galileu, espírito positivo, descreve, pela observação, como o fenômeno ocorre. Dividindo a história da humanidade em três períodos, de acordo com a forma humana de buscar o conhecimento, Auguste Comte classificou esses períodos em: religioso, filosófico ou metafísico e científico. Este último “deveria servir como modelo para todas as outras formas de conhecimento. Só assim a sociedade poderia tomar o rumo certo do desenvolvimento, que seria cientificamente planejado” (ALFONSO-GOLDFARB, 1994, p. 62-63).
Vemos assim que, através da ciência, o homem tenta explicar e prever os fenômenos naturais observados por meio de uma metodologia científica específica a cada área do conhecimento científico. Essas explicações são elaboradas em formas de leis ou teorias científicas que devem ter como características principais: descrever os fenômenos; comprová-los através da observação dos fatos e da experimentação; predizer acontecimentos futuros.
Antes de se tornar uma teoria científica, toda e qualquer pesquisa se baseia antes em hipóteses que, ao serem submetidas à experimentação, poderão ser corroboradas ou falsificadas. Uma hipótese constitui o ponto de partida de uma demonstração científica ou uma explicação provisória sobre um dado fenômeno. Após ser provada experimentalmente, uma hipótese se transforma em teoria científica, ou seja, um conjunto de concepções sistematicamente organizadas que se propõe explicar um conjunto de fenômenos observados na natureza.
Referências Bibliográficas
ALFONSO-GOLDFARB, Ana Maria. O que é História da Ciência. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos).
FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
GALILEI, Galileu. O ensaiador. In: BRUNO, G.; GALILEI, G.; CAMPANELLA, T. Sobre o infinito, o universo e os mundos; O ensaiador; A cidade do sol. traduções de Helda Barraco, Nestor Deola e Aristides Lôbo. 3. ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983. (Os pensadores)
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