Os cristãos e a libertação dos oprimidos (Resenha)

FREIRE, Paulo. Os cristãos e a libertação dos oprimidos. Lisboa: Edições Base, 1978.

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em nov. 2016

            Em uma rápida apresentação biográfica de Paulo Freire, o autor nos ensina que seus pais foram pessoas religiosas e com eles aprendeu a dialogar e a respeitar a opção dos outros. O pai, espírita. A mãe, católica. Paulo Freire fez a opção de seguir a religião da mãe e não obteve nenhuma censura por parte do pai. “Ainda me recordo hoje a ternura com que o meu pai escutou quando lhe dei a notícia de que ia fazer a primeira comunhão. Eu tinha optado pela religião da minha mãe, mas tinha o seu apoio para realizar esta escolha” (p. 6). Essa formação religiosa teve bastante influência não só na formação das ideias de Paulo Freire como na própria forma de se conduzir diante da vida. E, apesar do seu afastamento da igreja, foi como um cristão que ele aprendeu a superar as dificuldades da vida e havia algo de sagrado em sua missão, pois, como ele mesmo se intitula: “um cristão é um homem no mundo e com o mundo, de maneira que, comprometido no mundo, ele supera-o” (p. 9). A obra é pequena, de fácil leitura e está dividida em vários tópicos curtos abordando temas como: A consciência e as estruturas sociais; Teologia da Libertação; Educação libertadora; Populismo e Igreja moderna; A Igreja profética e muitos outros.

            Na Introdução Freire afirma o caráter histórico tanto da Igreja quanto da educação e, por isso, “o trabalho educativo das Igrejas não pode ser compreendido fora do condicionamento da realidade concreta onde se situam” (p. 11). É preciso compreender esse componente histórico porque as estruturas sociais são resultado dessa realidade concreta e seria uma ilusão, para o autor, querer transformar “o coração de homens e mulheres, deixando virgens e intocáveis as estruturas sociais” (p. 12). É preciso transformar as consciências e simultaneamente transformar o mundo e as estruturas sociais. E para que o cristão se comprometa verdadeiramente com a transformação do mundo e luta em favor dos oprimidos ele precisa tornar efetiva uma práxis que é também a sua Páscoa, o que significa morrer e renascer com os oprimidos.

Muito rapidamente percebem que a indispensável Páscoa da qual resulta a mudança de consciência tem de ser existencializada. A verdadeira Páscoa não é uma verbalização comemorativa, mas sim práxis, compromisso histórico [...] a Páscoa é morrer para viver (p. 14).

            É preciso ter clareza no papel da consciência na transformação da realidade mas sem cair na ingenuidade de achar que basta mudar a consciência para mudar o mundo. A consciência e o mundo se transformam pela práxis, pela reflexão e pela ação. “Surge daí a unidade entre a prática e a teoria, na qual ambas se vão constituindo, fazendo-se e refazendo-se num movimento permanente que nos leva da prática à teoria e desta a uma nova prática” (p. 16). Desta forma, a conscientização é tanto um esforço crítico de refletir sobre a realidade quanto um compromisso política com a sua transformação. Um processo de conscientização que inclui também o educador que, em conjunto com o povo, vai se conscientizando através do movimento dialético entre reflexão crítica e ação. Trata-se de uma educação política. “Estas são descobertas que um número cada vez maior de cristãos vêm fazendo e que lhes exigem, como afirmámos anteriormente, uma clara tomada de posição [...] comprometem-se na procura real da libertação dos oprimidos, como um deles” (p. 18).

            O cristão compreende então que cada indivíduo precisa ser respeitado tanto no seu corpo e sua dignidade, quanto na sua alma. Que toda família, além do alimento espiritual, precisa de casa, de trabalho, de pão, de roupa, saúde e educação para seus filhos. Por isso Paulo Freire acredita que os teólogos comprometidos historicamente com os oprimidos e que defende uma teologia política da libertação estão no caminho certo. “Estes teólogos, sim, têm a possibilidade de começar a responder às inquietações duma geração que opta pela transformação revolucionária do seu mundo e não pela conciliação dos inconciliáveis” (p. 21).

            Ao compreender que estamos mergulhados em uma realidade cuja existência não pode ser pensada isoladamente das outras existências o cristão percebe que é através da relação com os outros que a nossa existência adquire sentido. E o que deve ser a vida do cristão senão uma busca permanente pela vivência dos dois maiores mandamentos que inclui o próximo como a si mesmo? A concepção de vida individualista não pode satisfazer o verdadeiro cristão. “O ‘eu existo’ não precede o ‘nós existimos’ mas constitui-se nele” (p. 25).

            Ao refletir sobre o papel das Igrejas na América Latina, Paulo Freire destaca alguns pontos que precisam ser analisados além do caráter histórico: a impossibilidade da neutralidade política, o consequente caráter educativo da Igreja e a opção necessária pelos oprimidos. Não se pode fazer nenhuma dessas análises fora da história, não se pode tomar a educação acima da realidade concreta do mundo. Falar em “educação libertadora” no seio das Igrejas é falar na necessidade de superar o papel tradicionalista das Igrejas e superar as profundas marcas coloniais. E para superar isso que Paulo Freire considera um engano “inocente” ou “astuto” é necessário que a Igreja mude a sua posição e assuma claramente um compromisso com as classes dominadas. “Evoluindo dessa perspectiva tradicionalista, há uma posição nova, distinta, assumida por outras Igrejas no quadro histórico da América Latina” (p. 32). Uma posição representada pela chamada Igreja profética.

            Essa posição nova não consiste, com efeito, no populismo: “um tipo de acção ‘assistencialista’ do qual resulta o seu caráter manipulador” (p. 35); ou em uma Igreja moderna que apoia os reformismos que apenas ajudam a manter o status quo, e que não vai além de mudanças periféricas dentro da sociedade. Uma modernização conservadora e que, se promove reformas, é apenas para melhor preservar as estruturas já existentes. Assim procedendo a Igreja “continua a desconhecer a contradição antagônica entre elas [as classes dominantes e as classes dominadas] que resulta do próprio sistema que as gera” (p. 38).

            Combatida pelas Igrejas tradicionalistas e modernas, vem ganhando força uma linha dentro da Igreja denominada de profética que, esta sim, “compromete-se com as classes dominadas para a transformação radical da sociedade” (p. 40). A Igreja profética assume um pensamento crítico, não esconde sua opção e nem se reconhece como neutra. A Igreja profética convida-nos a um novo Êxodo, a pôr-se constantemente à caminho da libertação, assumindo a existência como tensão entre o passado e o futuro, entre ser e não ser, assumindo-se como Teologia da Libertação.

 

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Esta pequena obra constitui uma versão ampliada do artigo: "O papel educativo das igrejas na América Latina".