Tipos de Democracia (liberal, social, elitista)

por Alexsandro M. Medeiros

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            No âmbito desta noção de Democracia e portanto no terreno firme destas regras é costume distinguir várias espécies de regimes democráticos. A multiplicidade das tipologias depende da variedade dos critérios adotados para a classificação das diversas formas de Democracia. Apresentaremos a lista de algumas, tomando por base a profundidade do nível de estrutura social global em que elas se integram.

            A um nível mais superficial se coloca a distinção fundada sobre o critério jurídico-institucional entre regime presidencial e regime parlamentar. A diferença entre os dois regimes está na relação diferente entre legislativo e executivo. Enquanto no regime parlamentar, a democraticidade do executivo depende do fato de que ele é uma emanação do legislativo, o qual, por sua vez, se baseia no voto popular, no regime presidencial, o chefe do executivo é eleito diretamente pelo povo. Em consequência disso ele presta contas de sua ação não ao Parlamento mas aos eleitores que podem sancionar sua conduta política negando-lhe a reeleição.

            Em nível imediatamente inferior se encontra a tipologia que leva em consideração o sistema dos partidos, o qual apresenta duas variantes. Com base no número dos partidos (isto é, com base no critério numérico que caracteriza a tipologia aristotélica), distinguem-se sistemas bipartidários e sistemas multipartidários (o sistema unipartidário, pelo menos em suas formas mais rígidas, não pode ser incluído entre as formas democráticas de Governo). Com base no modo com que os partidos se dispõem uns para ou contra os outros no sistema, isto é, com base nos chamados pólos de atração ou de repulsa dos diversos partidos, se distinguem regimes bipolares, em que os vários partidos se agregam em torno dos dois pólos do Governo e da oposição e multipolares, em que os vários partidos se dispõem voltados para o centro e para as duas oposições, uma de direita e outra de esquerda. Deve advertir-se que também, neste caso, um sistema monopolar, onde não existe uma oposição reconhecida, não pode ser considerado entre as formas democráticas de Governo. A segunda variante, introduzida por Giovanni Sartori oferece, em relação à anterior, pelo menos, duas vantagens: a) permite levar em conta alianças de partidos com a consequência de que um sistema multipartidário pode ser bipolar e, portanto, pode ter as mesmas características de um sistema bipartidário; b) permite uma ulterior distinção entre sistemas polarizados e sistemas não polarizados no caso de haver nas duas extremidades franjas que tendam à ruptura do sistema (partidos anti-sistema). Daí deriva a distinção ulterior entre multipartidarismo extremo e multipartidarismo moderado.

            Tendo em conta, além do sistema dos partidos, também o sistema da cultura política, Arend Lijphart distinguiu os regimes democráticos com base na maior ou menor fragmentação da cultura política em centrífugos e centrípetos (distinção que corresponde, grosso modo, à precedente entre regimes polarizados e não polarizados). Introduzindo, em seguida, um segundo critério fundado sobre a observação de que o comportamento das elites pode estar mais inclinado para as coligações (coalescent) ou tornar-se mais competitivo, e combinando-o com o precedente, especificou outros dois tipos de Democracia que chamou de "Democracia consociativa" (consotiational) e "Democracia despolitizada", segundo o comportamento não competitivo das elites se junte a uma cultura fragmentada ou homogênea. A Democracia consociativa tem seus maiores exemplos na Áustria, Suíça, Holanda e Bélgica e foi chamada, tendo em vista especialmente o caso suíço, de concordante (concordant democracy, Konkordanz demokratie) e definida como o tipo de Democracia em que acontecem entendimentos de cúpula entre líderes de subculturas rivais para a formação de um Governo estável.

            Descendo a um nível ainda mais profundo, que é o nível das estruturas da sociedade inferior, Gabriel Almond distinguiu três tipos de Democracia: a) Democracia de alta autonomia dos subsistemas (Inglaterra e Estados Unidos), entendendo-se por subsistemas os partidos, os sindicatos e os grupos de pressão, em geral; b) Democracia de autonomia limitada dos subsistemas (França da III República, Itália depois da Segunda Guerra Mundial e Alemanha de Weimar); c) Democracia de baixa autonomia dos subsistemas (México).

            Modelos ideais mais do que tipos históricos são as três formas de Democracia analisadas por Robert Dahl no seu livro A preface to democratic theory (1956): a Democracia madisoniana que consiste sobretudo nos mecanismos de freio do poder e coincide com o ideal constitucional do Estado limitado pelo direito ou pelo Governo da lei contra o Governo dos homens (no qual sempre se manifesta historicamente a tirania); a Democracia populista, cujo princípio fundamental é a soberania da maioria; a Democracia poliárquica que busca as condições da ordem democrática não em expedientes de caráter constitucional, mas em pré-requisitos sociais, isto é, no funcionamento de algumas regras fundamentais que permitem e garantem a livre expressão do voto, a prevalência das decisões mais votadas, o controle das decisões por parte dos eleitores, etc. (BOBBIO, 1998, p. 327-328).

 

Democracia e Liberalismo

            Ao longo de todo o século XIX, a discussão em torno da DEMOCRACIA se foi desenvolvendo principalmente através de um confronto com as doutrinas políticas dominantes no tempo, o liberalismo de um lado e o socialismo do outro.

            No que se refere à relação de concepção liberal do Estado, o ponto de partida foi o célebre discurso de Benjamin Constant sobre A liberdade dos antigos comparada com a dos modernos. Para Constant, a liberdade dos modernos, que deve ser promovida e desenvolvida, é a liberdade individual em sua relação com o Estado, aquela liberdade de que são manifestações concretas as liberdades civis e a liberdade política (ainda que não necessariamente estendida a todos os cidadãos) enquanto a liberdade dos antigos, que a expansão das relações tornou impraticável, e até danosa, é a liberdade entendida como participação direta na formação das leis através do corpo político cuja máxima expressão está na assembleia dos cidadãos. Identificada a Democracia propriamente dita sem outra especificação, com a Democracia direta, que era o ideal do próprio Rousseau, foi-se afirmando, através dos escritores liberais, de Constant e Tocqueville e John Stuart Mill, a ideia de que a única forma de Democracia compatível com o Estado liberal, isto é, com o Estado que reconhece e garante alguns direitos fundamentais, como são os direitos de liberdade de pensamento, de religião, de imprensa, de reunião, etc, fosse a Democracia representativa ou parlamentar, onde o dever de fazer leis diz respeito, não a todo o povo reunido em assembleia, mas a um corpo restrito de representantes eleitos por aqueles cidadãos a quem são reconhecidos direitos políticos. Nesta concepção liberal da Democracia, a participação do poder político, que sempre foi considerada o elemento caracterizante do regime democrático, é resolvida através de uma das muitas liberdades individuais que o cidadão reivindicou e conquistou contra o Estado absoluto. A participação é também redefinida como manifestação daquela liberdade particular que indo além do direito de exprimir a própria opinião, de reunir-se ou de associar-se para influir na política do país, compreende ainda o direito de eleger representantes para o Parlamento e de ser eleito. Mas se esta liberdade é conceptualmente diversa das liberdades civis, enquanto estas são meras faculdades de fazer ou não fazer, enquanto aquela implica a atribuição de uma capacidade jurídica específica, em que as primeiras são chamadas também de liberdades negativas e a segunda de liberdade positiva, o fato mesmo de que a liberdade de participar, ainda que indiretamente, na formação do Governo esteja compreendido na classe das liberdades, mostra que, na concepção liberal da Democracia o destaque é posto mais sobre o mero fato da participação como acontece na concepção pura da Democracia (também chamada participacionista), com a ressalva de que esta participação seja livre, isto é, seja uma expressão e um resultado de todas as outras liberdades. Deste ponto de vista, se é verdade que não pode chamar-se, propriamente, liberal, um Estado que não reconheça o princípio democrático da soberania popular, ainda que limitado ao direito de uma parte (mesmo restrita) dos cidadãos darem vida a um corpo representativo, é ainda mais verdadeiro que segundo a concepção liberal do Estado não pode existir Democracia senão onde forem reconhecidos alguns direitos fundamentais de liberdade que tornam possível uma participação política guiada por uma determinação da vontade autônoma de cada indivíduo.

            Em geral, a linha de desenvolvimento da Democracia nos regimes representativos pode figurarse basicamente em duas direções: a) no alargamento gradual do direito do voto, que inicialmente era restrito a uma exígua parte dos cidadãos com base em critérios fundados sobre o censo, a cultura e o sexo e que depois se foi estendendo, dentro de uma evolução constante, gradual e geral, para todos os cidadãos de ambos os sexos que atingiram um certo limite de idade (sufrágio universal); b) na multiplicação dos órgãos representativos (isto é, dos órgãos compostos de representantes eleitos), que num primeiro tempo se limitaram a uma das duas assembleias legislativas, e depois se estenderam, aos poucos, à outra assembleia, aos órgãos do poder local, ou, na passagem da monarquia para a república, ao chefe do Estado. Em uma e em outra direção, o processo de democratização, que consiste no cumprimento cada vez mais pleno do princípio-limite da soberania popular, se insere na estrutura do Estado liberal entendido como Estado, in primis, de garantias. Por outras palavras, ao longo de todo o curso de um desenvolvimento que chega até nossos dias, o processo de democratização, tal como se desenvolveu nos Estados, que hoje são chamados de Democracia liberal, consiste numa transformação mais quantitativa do que qualitativa do regime representativo Neste contexto histórico a Democracia não se apresenta como alternativa (como seria no projeto de Rousseau rejeitado por Constant) ao regime representativo, mas é o seu complemento; não é uma reviravolta mas uma correção (BOBBIO, 1998).

 

Democracia e Socialismo

           Não é diferente a relação entre Democracia e socialismo [do que acontece com o liberalismo]. Também no que diz respeito ao socialismo, nas suas diferentes versões, o ideal democrático representa um elemento integrante e necessário, mas não constitutivo. Integrante porque uma das metas que se propuseram os teóricos do socialismo foi o reforço da base popular do Estado. Necessário, porque sem este reforço não seria jamais alcançada aquela profunda transformação da sociedade que os socialistas das diversas correntes sempre tiveram como perspectiva. Por outro lado, o ideal democrático não é constitutivo do socialismo, porque a essência do socialismo sempre foi a ideia da revolução das relações econômicas e não apenas das relações políticas, da emancipação social, como disse Marx, e não apenas da emancipação política do homem. O que muda na doutrina socialista a respeito da doutrina liberal é o modo de entender o processo de democratização do Estado. Na teoria marxista engelsiana, para falar apenas desta, o sufrágio universal, que para o liberalismo em seu desenvolvimento histórico é o ponto de chegada do processo de democratização do Estado, constitui apenas o ponto de partida. Além do sufrágio universal, o aprofundamento do processo de democratização da parte das doutrinas socialistas acontece de dois modos: através da crítica da Democracia apenas representativa e da consequente retomada de alguns temas da Democracia direta e através da solicitação de que a participação popular e também o controle do poder a partir de baixo se estenda dos órgãos de decisão política aos de decisão econômica, de alguns centros do aparelho estatal até à empresa, da sociedade política até à sociedade civil pelo que se vem falando de Democracia econômica, industrial ou da forma efetiva de funcionamento dos novos órgãos de controle (chamados "conselhos operários"), colegial, e da passagem do auto-governo para a autogestão.

            Nas efêmeras instituições criadas pelo povo parisiense por ocasião da Comuna de Paris, Marx, como é conhecido, achou poder colher alguns elementos de uma nova forma de Democracia que chamou "autogoverno dos produtores". As características distintivas desta nova forma de Estado com respeito ao regime representativo são principalmente quatro: a) enquanto o regime representativo se funda sobre a distinção entre poder executivo e poder legislativo, o novo Estado da Comuna deve ser "não um órgão parlamentar, mas de trabalho, executivo e legislativo, ao mesmo tempo"; b) enquanto o regime parlamentar inserido no tronco dos velhos Estados absolutistas deixou sobreviver consigo órgãos não representativos e relativamente autônomos, os quais, desenvolvidos anteriormente na instituição parlamentar, continuam a fazer parte essencial do aparelho estatal, como o exército, a magistratura e a burocracia, a Comuna estende o sistema eleitoral a todas as partes do Estado; c) enquanto a representação nacional característica do sistema representativo é inteiramente distinta da proibição de mandato autoritário, cuja consequência é a irrevogabilidade do cargo durante toda a duração da legislatura, a Comuna "é composta de conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nas diversas circunscrições de Paris, responsáveis e revogáveis em qualquer momento; d) enquanto o sistema parlamentar não conseguiu destruir a centralização política e administrativa dos velhos Estados, antes, pelo contrário, confirmou através da instituição de um parlamento nacional, o novo Estado deveria ter descentralizado, ao máximo, as próprias funções nas "comunas rurais" que teriam enviado seus representantes a uma assembleia nacional à qual seriam deixadas algumas "poucas mas importantes funções .. . cumpridas por funcionários comunais".

            Colhendo sua inspiração nas reflexões de Marx sobre a Comuna, Lenin, em Estado e revolução e nos escritos e discursos do período revolucionário enunciou as diretrizes e bases da nova Democracia dos conselhos que fizeram o centro do debate entre os principais teóricos do socialismo na década de 20, desde Gramsci até Rosa Luxemburg, desde Max Adler até Korsch, para terminar em Anton Pannekoek, cuja obra Organização revolucionária e conselhos operários é de 1940. O que caracteriza a Democracia dos conselhos em relação à Democracia parlamentar é o reconhecimento de que na sociedade capitalista houve um deslocamento dos centros de poder dos órgãos tradicionais do Estado para a grande empresa, e que portanto o controle que o cidadão está em grau de exercer através dos canais tradicionais da Democracia política não é suficiente para impedir os abusos de poder cuja abolição é o escopo final da Democracia. O novo tipo de controle não pode acontecer senão nos próprios lugares da produção e é exercido não pelo cidadão abstrato da Democracia formal mas pelo cidadão trabalhador através dos conselhos de fábrica. O conselho de fábrica torna-se assim o germe de um novo tipo de Estado, que é o Estado ou a comunidade dos trabalhadores em contraposição ao Estado dos cidadãos,- através de uma expansão deste tipo de órgãos em todos os lugares da sociedade onde há decisões importantes a tomar. O sistema estatal, em seu complexo, será uma federação de conselhos unificados através do reagrupamento ascendente, partindo deles até aos vários níveis territoriais e administrativos (BOBBIO, 1998).

 

Democracia e Elitismo

            A crítica que de um lado o liberalismo faz à Democracia direta, e a crítica, que de outro lado o socialismo move à Democracia representativa, são conscientemente inspiradas em certos pressupostos ideológicos relacionados com diversas orientações ligadas aos valores últimos. No final do século passado, contra a Democracia, entendida exatamente em seu sentido tradicional de doutrina da soberania popular, se formulou uma crítica que pretendeu, ao contrário, fundar-se exclusivamente sobre a observação dos fatos: uma crítica não ideológica, mas científica, pelo menos na temática, da parte dos teóricos das minorias governamentais, ou como serão chamados mais tarde, com um nome que fará fortuna, da parte de elites como Ludwig Gumplowicz, Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto. Segundo estes escritores, a soberania popular é um ideal-limite e jamais correspondeu ou poderá corresponder a uma realidade de fato, porque em qualquer regime político, qualquer que seja a "fórmula política" sob a qual ps governantes e seus ideólogos o representem, é sempre uma minoria de pessoas, que Mosca chama de "classe política", aquela que detém o poder efetivo. Com esta teoria se conclui a longa e afortunada história das três formas de Governo, que, como se viu, está na origem da história do conceito de Democracia desde o momento em que, em toda a sociedade, de todos os tempos e em todos os níveis de civilização, o poder está nas mãos de uma minoria, não existe outra forma de Governo senão a oligárquica. O que não implica que todos os regimes sejam iguais, mas simplesmente que se uma diferença pode ser destacada, esta não pode depender de um critério extrínseco como o do número de governantes (um, poucos, muitos), mas dos vários modos com que uma classe política se forma, se reproduz, se renova, organiza e exerce o poder. O mesmo Mosca distinguiu a respeito do modo com que se formam as classes políticas, as que transmitem o poder hereditariamente e as que se alimentam das classes inferiores; a respeito do modo como exercem o poder, aquelas que o exercem sem controle e aquelas que são controladas a partir de baixo; nesse sentido, contrapôs, no primeiro caso, Democracia e aristocracia; no segundo. Democracia e autocracia, identificando pelo menos dois tipos de regimes que, embora tenham uma classe política dominante, podem dizer-se democráticos de bom direito. Nesta linha, a teoria das elites recupera muito do que de realístico e não do que meramente ideológico contém a doutrina tradicional da Democracia e tem, por consequência, não tanto a negação de existência de regimes democráticos mas mais uma redefinição que terminou por tornar-se preponderante na hodierna ciência política de Democracia. Em Capitalismo, socialismo e Democracia (1942) Joseph Schumpeter contrapõe à doutrina clássica da Democracia, segundo a qual a Democracia consiste na realização do bem comum através da vontade geral que exprime uma vontade do povo ainda não perfeitamente identificada, uma doutrina diversa da Democracia que leva em conta o resultado considerado realisticamente inexpugnável pela teoria das elites. Segundo Schumpeter, existe Democracia onde há vários grupos em concorrência pela conquista do poder através de uma luta que tem por objeto o voto popular. Uma definição deste tipo leva em conta a importância primária, não desprezível, da liderança em qualquer formação política e ao mesmo tempo permite distinguir um regime do outro na base do modo como as diferentes lideranças disputam o poder, especificando, na Democracia, aquela forma de regime em que a contenda pela conquista do poder é resolvida em favor de quem conseguir obter, numa disputa livre, o maior número de votos (BOBBIO, 1998, p. 325).

(v. também ELITES, TEORIAS DAS, p. 385-391)


 

verbete DEMOCRACIA do Dicionário de Política.

BOBBIO, Norberto. Algumas tipologias dos regimes democráticos. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. trad. Carmen C, Varriale et al.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1998. Vol I.


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